terça-feira, setembro 05, 2006

cais do ginjal

Vou recontar um segredo. Eu gosto tanto, tanto, do cais do Ginjal. Mas mesmo assim gosto muito menos do que todos aqueles sem-abrigo que tomaram aqueles armazéns abandonados para ali viverem. O cais do Ginjal está cada vez mais sujo, é um lugar porco, os armazéns estão em ruínas, os muros em risco de desagregação, mas com grafitis de um artista conhecido, ocultam interiores decrépitos, as pessoas doentes, pobres e sem casa, vadios alguns, dependentes quase todos, acamam-se no interior dos edifícios abandonados, lado a lado com um ou outro morador que resta ainda desses tempos em que o cais era um lugar onde se trabalhava e vivia. O cais do Ginjal é um lugar que consegue ser tão maravilhoso.
Eu gosto tanto, tanto, do cais do Ginjal. Porque a água do rio bate prendida ao cais, porque a luz sobre Lisboa é um dos melhores espectáculos da natureza em Portugal, porque há lá uma casinha que tem uma varanda de ferro forjado em semicírculo, porque um menino pequeno ali brincou ontem aos piratas, porque se pode ir lá comer, porque nas noites quentes os pescadores amadores se misturam com os pouco passeantes, e estes passam entre grupos de homens meio bêbados, meio drogados, meio lúcidos. Homens que respondem às boas-noites dos que passam tensos e vigilantes, olhando-os de soslaio e estugando o passo a caminho dos restaurantes que ficam mais à frente.

Um dia o cais do Ginjal ficará como o "jardim do rio", o percurso que lhe dá continuidade e de onde se pode ter acesso, quando o elevador funciona, ao miradouro de Almada. Tubo bonitinho, com a relva aparada e verde, as árvores certas e as pedras em destaque, como nas revistas. Daí até ao lugar de “olho-de-boi” vamos percorrendo um caminho iluminado, limpo e seguro. Há quem deixe aí ficar o carro e ande no caminho mais perfeitinho até à mesa do restaurante. Mas isso é batota. Há que fazer a travessia de barco, sobressaltar-se com a beleza do lugar logo que se vira à direita na estação fluvial do Seixal, quem quiser pode suspirar pela recuperação das pessoas e dos edifícios, sobressaltar-se com a destruição, sentir até um pouco de medo por causa desses seus desconformes moradores. Mas não se espera que sinta repugnância. Será de esperar que no fundo, no fundo, peça que não transformem o cais do Ginjal em mais um “jardim do rio”. E que o cais de desembarque dos “táxis do rio” junto ao primeiro dos dois restaurantes desapareça

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