Há pessoas que admiramos sem conhecer, e que nos dão ainda o bónus de nos fazer pensar em outras que conhecíamos e admirámos.
Eu adoro ouvir aqueles minutinhos em que António Cartaxo, na Antena 1, nos conta histórias sobre um compositor ou sobre uma música, quase sempre de música clássica. Um divulgador dos mais admiráveis de Portugal.
Naquele tempo íamos todas as semanas, num dia à noite, de autocarro até casa da Beatriz, ao Lumiar, para ouvirmos as escolhas musicais que o Dr. Alfaia seleccionava para nós. Depois, no seu jeito reservado dissertava um pouco sobre o que estávamos a ouvir. Não sei como se encetaram as negociações com o bando de adolescentes que éramos então, para que esse fenómeno acontecesse, nem quanto tempo durou a paciência de ambas as partes para se entenderem. Mas sei que ele era um verdadeiro conhecedor, que procurava que conhecêssemos e amássemos tanto a música quanto ele, que manuseava os seus discos com infinito cuidado e que foi nas mãos dele que vi o primeiro CD, num dia em que o rodeámos surpreendidas e olhando encantadas para aquele novo produto técnico.
No sofá da sala empoleirávamo-nos todas, no limite do conforto. A Beatriz, que nos recebia, a Elsa, a Lina, a Helena, a Cláudia e eu. Às vezes obrigávamo-nos a trocar de lugar, porque a risota não controlada por qualquer parvoíce dita baixinho pela vizinha do lado, perturbava a audição do conjunto. sentado numa poltrona à parte, o pai de Beatriz fechava os olhos e concentrava-se na música, sem reparar nas cotoveladas, nos pequenos empurrões, ou nos suspiros e nos bocejos das noites mais difíceis. Às vezes uma de nós pegava num dos muitos livros que havia lá em casa e ponha-se a ler silenciosamente, sobrepondo na sua mente as palavras do livro sobre as de uma música que corria em fundo, e depois passava o livro a todas as amigas se por acaso queriam que elas lessem algum parágrafo, partilhassem uma ideia. Lembro-me de um em particular: A Verdadeira História dos Contos de Fadas. Divertíamo-nos então a dissecar os contos que tínhamos adorado e nos quais quase todas acreditávamos ainda não há muito tempo. Nos momentos mais perturbadores o Dr. Alfaia levantava a cabeça e olhávamo-nos, sem reprovação, mas com intenção.
De entre as meninas havia aquelas que tinham conhecimentos avançados de música, para além obviamente da Beatriz, que era a verdadeira conhecedora de música clássica do grupo, a Cláudia e a Lina, por exemplo, tinham grandes noções de música, embora de registo POP. Eu? Eu era mais dança. Toda a música se dividia (divide?) entre a que se pode dançar e a que não se pode. Como para mim quase toda a música se pode dançar, eu gostava de quase toda a música. Uma desgraça, diriam a Lina e a Cláudia. Uma desgraça será.
Mas o Dr. Alfaia acabou por descobri a minha paixão pelo segundo andamento do primeiro concerto para violino e orquestra de Bach. E, sem dizer nada, ponho-o a tocar, repetidamente. A paixão que me ficou por Bach morará sempre associada à memória do Dr. Alfaia, que veio a falecer poucos anos depois. Morará também associada à minha amiga Beatriz, e às infindáveis horas de alegria que comunguei na sua casa.
Eu adoro ouvir aqueles minutinhos em que António Cartaxo, na Antena 1, nos conta histórias sobre um compositor ou sobre uma música, quase sempre de música clássica. Um divulgador dos mais admiráveis de Portugal.
Naquele tempo íamos todas as semanas, num dia à noite, de autocarro até casa da Beatriz, ao Lumiar, para ouvirmos as escolhas musicais que o Dr. Alfaia seleccionava para nós. Depois, no seu jeito reservado dissertava um pouco sobre o que estávamos a ouvir. Não sei como se encetaram as negociações com o bando de adolescentes que éramos então, para que esse fenómeno acontecesse, nem quanto tempo durou a paciência de ambas as partes para se entenderem. Mas sei que ele era um verdadeiro conhecedor, que procurava que conhecêssemos e amássemos tanto a música quanto ele, que manuseava os seus discos com infinito cuidado e que foi nas mãos dele que vi o primeiro CD, num dia em que o rodeámos surpreendidas e olhando encantadas para aquele novo produto técnico.
No sofá da sala empoleirávamo-nos todas, no limite do conforto. A Beatriz, que nos recebia, a Elsa, a Lina, a Helena, a Cláudia e eu. Às vezes obrigávamo-nos a trocar de lugar, porque a risota não controlada por qualquer parvoíce dita baixinho pela vizinha do lado, perturbava a audição do conjunto. sentado numa poltrona à parte, o pai de Beatriz fechava os olhos e concentrava-se na música, sem reparar nas cotoveladas, nos pequenos empurrões, ou nos suspiros e nos bocejos das noites mais difíceis. Às vezes uma de nós pegava num dos muitos livros que havia lá em casa e ponha-se a ler silenciosamente, sobrepondo na sua mente as palavras do livro sobre as de uma música que corria em fundo, e depois passava o livro a todas as amigas se por acaso queriam que elas lessem algum parágrafo, partilhassem uma ideia. Lembro-me de um em particular: A Verdadeira História dos Contos de Fadas. Divertíamo-nos então a dissecar os contos que tínhamos adorado e nos quais quase todas acreditávamos ainda não há muito tempo. Nos momentos mais perturbadores o Dr. Alfaia levantava a cabeça e olhávamo-nos, sem reprovação, mas com intenção.
De entre as meninas havia aquelas que tinham conhecimentos avançados de música, para além obviamente da Beatriz, que era a verdadeira conhecedora de música clássica do grupo, a Cláudia e a Lina, por exemplo, tinham grandes noções de música, embora de registo POP. Eu? Eu era mais dança. Toda a música se dividia (divide?) entre a que se pode dançar e a que não se pode. Como para mim quase toda a música se pode dançar, eu gostava de quase toda a música. Uma desgraça, diriam a Lina e a Cláudia. Uma desgraça será.
Mas o Dr. Alfaia acabou por descobri a minha paixão pelo segundo andamento do primeiro concerto para violino e orquestra de Bach. E, sem dizer nada, ponho-o a tocar, repetidamente. A paixão que me ficou por Bach morará sempre associada à memória do Dr. Alfaia, que veio a falecer poucos anos depois. Morará também associada à minha amiga Beatriz, e às infindáveis horas de alegria que comunguei na sua casa.
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