domingo, dezembro 10, 2006

Educação

Tinha pensado em procurar não escrever mais nada sobre o estado actual da educação. Porque me sentia demasiado envolvida, demasiado interessada, demasiado comprometida e receava que os meus interesses se sobrepusessem à minha objectividade. De mim para mim. E mesmo que procurasse distinguir algumas coisas boas das pouco que tenho encontrado na que imaginamos ser a actual actuação da equipa ministerial, relativamente à exigência de avaliação, que, ver-se-á, será outra fraude, mas está bem, tudo o resto me revolve a mente ao ponto de eu saber que se continua a comprometer o ensino de uma maneira que os portugueses nem sabem o quão grave é, iludidos que bastará pôr na linha os madraços que por ali andam a ser pagos pelo erário público, sufocando-os a todos com uma espiral de deveres milimétricos controlados pelo poder central, para que as coisas mudem. Não vão mudar, mas vai haver ginástica numérica suficiente para termos números com algum sucesso (os alunos do secundário não precisam de o terminar, porque se tiverem mais de 23 anos há uma universidade ali de braços abertos), os que não terminaram o básico, porquê agora não irem para o secundário, vão ver que não lhe fez falta nenhuma não terem passado pelos anos de ensino anteriores, inscrevam-se, façam número). Ah, e tudo isto em nome da qualidade. Não é por estratégia financeira, não senhora.
E depois falam de autonomia, senhor!, de autonomia mas só económica, que tudo o resto é para manter de rédea curta não lhes dê para ensinarem o que não se prevê.
Mas eis que o poeta escreve. Ou escreveu o professor universitário, não sei. Ou os dois, enfim.

“Algumas palavras” por Joaquim Manuel Magalhães

“(…) O ensino secundário português começou a ser estragado por Veiga Simão. Culminou com Roberto Carneiro e os seus esquecimentos bem calculados do ensino público. (..)
A prioridade do ensino deixou de ser transmitir saberes. Hoje culmina em planificações de um pouco de vazio no máximo tempo possível. Ouvindo-se a palavra planificar, imediatamente sabemos que as chamadas pedagogias e didácticas passaram a ter o domínio sobre os conteúdos de cada disciplina e gerou-se uma complicação de saberes sem saberes, que consiste na aplicação de umas grelhas às quais se junta um cuspo de meditações bacocas nunca se percebe bem sobre o quê. Um professor de biologia tem de saber biologia? Não. Tem de saber planear umas aulas que se encaixem num programa oficial que enumera o que da biologia basta saber. Houve uma conjura que não foi só desta situação a que se chama ministra; resultou de vários anos de fermentações bem calculadas de que ela se apoderou.

(…) Não foi por acaso que ninguém se preocupou com os conteúdos dos saberes. Apenas se ouvia um zumbir ou silvar (por entre torvos cálculos) umas vagas conjuras que pouco se entendiam. (...)

Será ministério o que podemos chamar ao mero cruzamento (basta que somem as disciplinas controladas por esta espécie de repelência) de panóplias estratégicas? (…)

Da filosofia à educação visual, da língua estrangeira à química, de todos a cada um, pergunte-se: têm vontade de sempre ler e estudar o que lêem? Têm dinheiro para isso? Têm tempo vosso para poder dar um lato conseguimento aos vossos alunos? É da educação o vosso ministério?”
in "Expresso", Revista Actual, de 8 de dezembro, p.54.

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