sábado, janeiro 06, 2007

Lisboa-Paris

Descer a Belém vinda de Monsanto, entrar no jardim dos Condes da Calheta. Tudo à beira da beleza. No fio de cá de uma beleza pressentida lá.
A cidade a não poder ser bela à força, por descuido, por negligência, por pobreza. A mata de Monsanto por limpar, as casas, de materiais de construção inferior, de traça sem graça e com exteriores decrépitos, as ruas numa sucessão caótica de carros estacionados em cima dos passeios, casas desaprumadas, estendais improvisados de roupa, sujidade e descuido nos espaços públicos, prédios abandonados em derrocada progressiva.

O quase muitíssimo belo jardim dos condes da Calheta, espaço de luxo, paredes meias com o palácio de Belém, é, pela sua extensão, pelo seu propósito, por uma ideia que se pressente ter começado a ser delineada há muito tempo mas que não sabe como afirmar-se, envergonhada, no presente, é, volto a repetir, um jardim quase muitíssimo belo.
É o problema de quem se embaraça com a sua história, a quem incomoda os parentes belicosos, ignorantes e despudorados do seu passado, ou do pouco conhecimento que se tem dele. Não podemos ter colecções de apaixonados pela flora colonial sem exaltar o espírito colonialista? Não há quem saiba viver esse equilíbrio?
Ainda que com deficiente informação no exterior relativo a horários e preços de ingresso, o jardim convida a entrar. As pessoas olham-no da rua e depois vão por aí fora até serem paradas por um: “Se faz favor?”
É um espaço a dar sinais aqui e ali de querer levantar voo e de querer levar-nos com ele, mas depois há o amontoado de detritos abandonados numa instalação há muito por utilizar, bidões armazenados em nichos de um arco que emoldura a entrada do terreno dedicado a Macau, os vidros partidos das estufas, um certo ar de quem não ama e não mora ali, de quem acha que o muito que existe ali e o que já está feito é suficiente. E não é. Porque o que está feito é pouco mais que uma manutenção do espaço, não o exalta ou exibe, como ele merece.
Ao visitante nada é dado a saber sobre os trabalhos ou os estudos de botânica em curso, ou sobre os projectos dos cientistas sociais para darem a conhecer melhor os povos com quem nos cruzámos. Nada nos é informado sobre os resultados produzidos no e pelo jardim.
O jardim e o palácio-museu pertencem ao Instituto de Investigação Científica Tropical. Têm um blogue sobre “História Lusófona” muito interessante que começou a ser escrito com o propósito de nos situar no quadro dos estudos das várias histórias dos povos que se cruzaram com o povo que permite falar numa história lusófona.

Eu sei que os meus olhos ainda vêm com as proporções dos edifícios e dos parques de uma cidade imperial. A perspectiva com que eu caminhei em Belém é a de quem caminhou ainda há poucos dias no Jardim de Luxemburgo e nos bairros à sua volta. Não que deixasse de perceber a sujidade numa ou outra esquina de Paris, dos túneis do metro, nem deixei de esboçar um sorriso condescendente pelo rato que, para gáudio de uma pequena multidão de estrangeiros parados em frente da montra, se passeava por entre as dezenas de queijos em amostra num restaurante de fundue do “quartier latin”, afinfando um ou outro à sua passagem. Sei que à volta de Paris existe esta mesma construção feia e barata que caracteriza os bairros de Lisboa, que ali também floresce. Mas há uma concepção tão distinta de cidade e de perservação do espaço entre paris e Lisboa, para não falar noutras capitais, que até entontece pela diferença de qualidade. E eu não quero falar de Lisboa com tiques de personalidade altaneira e pateta de tão estrangeirada, porque esta é realmente a minha cidade, e dói-me vê-la tão deslavada, tão pateticamente submetida a uma miséria esteticamente opressiva. Mas é verdade que há um conflito estético em Lisboa que empurra as nossas expectativas para baixo (eu diria mesmo nas cidades portuguesas em geral), que quase dificulta o respirar. É verdade.

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