sábado, janeiro 27, 2007

Mocho/gaivotas de Fiama Hasse Pais Brandão

Efectivamente algum mocho, embora não fosse
uma paisagem,
anunciou a noite. Nem era uma página, mesmo que os versos
soltos pela evocação pudessem descrever-se. Neste sítio tantos
[pios
se soltaram no azul.

Já não parece sincera enunciada tantas vezes a emoção
perante a emoção. Mas os mochos voavam regressando sobre
[distâncias que não eram
suas. Eu que receava reproduzir uma noite monótona
[recomecei
transferindo-me para o mar.

Tudo isto se confunde na minha representação do mar esvaído,
as mil gaivotas dispersas naquele chão arenoso. Tais pássaros
[sobre o mar
equivocaram-me: ora são sombras das suas formas, e ágeis
como a superfície, ora têm aquela voz cava toldando os céus de
[azul.

Vi-os desse modo, pela primeira vez, áugures. Os da imagem
actual são brancos, dependentes do nome que possuem na
[associação
com as imagens do mar. Só eu
quero abandonar as significações eternas,
o significado anterior que me arrastara, e estarrecera a minha
[simplicidade.
Perante a tradição literária, nada sou
sem artifício.

Esta confissão não é só minha. Seres de linguagem, ave ou
[outra estirpe
que fale com outra estirpe no Universo. São artífices
da realidade,
que aperfeiçoaram nos olhos vítreos um olhar semelhante ao
[mundo. Mundo
semelhante a uma obra. Deito-me na mansidão relativa do
[mar

como se fosse acolhida pela cachoeira de espuma que se
[desfaz. Tudo
o que está figurado nesta brancura lhes pertence, são sob a
[sua forma desfeita,
pássaros de azeviche. Dizer com exactidão a cor no espaço é
[a forma mais
vaga de incerteza. Antes redemoinhassem flocos de espuma
[sobre mim pensativa
do que eu perder na figuração do céu o sentido subtil da
[inverosimilhança.


Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve, ed. Teorema, 1991, p.258.

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