terça-feira, janeiro 16, 2007

nocturno português

"Toma lá que te dou eu,
rapariga da fortuna!
uma mão cheia de nada
outra de coisa nenhuma"

popular

O título de um livro de contos infantis de Irene Lisboa é precisamente "Uma mão cheia de nada outra de coisa nenhuma".

Disseram-nos que iam fechar maternidades porque as condições médico-clínicas em que as parturientes eram atendidas não estavam asseguradas. Que não, não era uma questão económica mas que, provava-se por relatórios de médicos profissionalmente irrepreensíveis, eram questões de saúde materno-infantil. Agora vimos a saber, quando sabemos, e quando não as mandamos para Espanha ter os seus bebés, que há um número elevado de mulheres a darem à luz em casa, sem assistência médica, ou em ambulâncias, assistidas por bombeiros de boa-vontade mas que nunca na vida fizeram partos. A média de partos do bombeiro deixa imediatamente de ser relevante, até porque ele pode fazer um parto por ano porque, como não ganha como um médico, a vida da parturiente deixa de estar automaticamente em risco por falta de experiência, ou lá o que era que alegavam os relatórios acerca de médicos com menos de mil partos por ano no currículo. Não, não era só por contenção financeira.

Disseram-nos que iam fechar escolas, reduzir o corpo docente e trazer mais alunos para o ensino, em nome da concentração de esforços e de oferecimento de recursos humanos com maior qualidade e por maior formação. Que não senhores, não era por motivos económicos. As escolas fecharam, o número de docentes diminui, vai instituir-se um estatuto de carreira docente que, quem vê de fora, julga ser a solução para a avaliação dos docentes, e só transformará o secundário numa instituição endogâmica à semelhança dos se passa nas universidades. Mas não, agora é que a avaliação a sério vai começar, dizem, e o ensino melhorará , qual milagre da redução.

Institui-se também a figura do super-sabichão professor no 2º ciclo, sendo que até agora o seu saber era dividido por 10 professores, vejam bem, que horror as crianças terem tantos professores, quando um pode perfeitamente ensinar aquilo que os outros dez ensinavam. E o aluno fica menos traumatizado por ter como docente essa figura que sabe de tudo, e não sabe de nada, licenciado e mestre nessas nossas novas e super eficientes universidades. Assim como assim, todos aqueles saberes juntos valem o quê? Tudo em nome da qualidade, e da protecção dos interesses do aluno, não em nome da contenção de custos. Não.

Dizem que muitos alunos regressaram à escola. É verdade, dizem os números. Mas quantos ficaram nessa escola, findo agora o primeiro período, nessa escola que lhes oferece tudo de forma gratuita, ao ponto de muitos entrarem com a antiga quarta classe directamente para o secundário (e os que têm mais de vinte e três anos entram directamente para a universidade sem passar pelo secundário), e depois perguntam aos professores se não os podem passar (mesmo que não tivessem feito nenhum exercício obrigatório de avaliação, ou mesmo que fossem avaliados negativamente) só porque estiveram presentes em algumas aulas? Porque não, realmente? Assim como assim. Tudo isto em nome da qualidade de ensino, e não, não tem nada a ver com números para “burocrata europeu ver” ou com contenção financeira do sistema. É pela qualidade da formação, garante essa mão que nos dão.

Sem comentários: