Ah, pois, porque quem não está preparado para morrer pelos seus ideais, não lhes dá o devido apreço, não os assume intransigentemente contra os seus inimigos. Como? Morrer por ideais? Quais? Sim, a liberdade, sim a justiça, sim a igualdade dos cidadãos perante a lei, sim à equidade, sim à solidariedade, sim a isto tudo e não a morrer por nenhum deles. Era o que mais me faltava. Mas custa-me um bocadinho admiti-lo, a réptil parte de mim está a fazer um esforço para não concordar com o facto de que há sim ideias pelos quais se deve morrer. É a parte panfletária do meu cérebro, figurada pela padeira com a pá alçada e pelo salivar de ratito de Hamelin sempre que ouve uma fanfarra militar.
Se eu vivesse numa sociedade militarizada ou doutrinada para combater com a morte tudo o que não fosse a vida que eu entendesse que era a verdadeira vida, admitiria esta luta, mais, consagrá-la-ia como a heróica humana forma de vida, ou continuaria a pensar que não era esse de todo o meio que me permitiria o fim almejado? Em democracia admitir a morte por ideais é o equivalente a um suicídio cívico. É sacrificar à liberdade com sangue. Mas que raio de liberdade é esta que se conquista com sangue? Sim, bom, mas o que fazer com os inimigos que nem sequer pressupõem outra forma de defender os seus próprios ideais a não ser pela imolação da sua própria vida? Que desprezam qualquer outra forma de dirimir o conflito de valores ou de formas de vida? Não se deve combater pela liberdade contra os seus inimigos? Eu não conheço outra resposta que não seja a que diz que existem pensadores, que existem políticos, que existem diplomatas, que existem leis e tribunais internacionais, que existem forças regulares de segurança e nenhuma destas ordens que garante um Estado de direito deve poder evocar a necessidade da consagração da vida dos seus cidadãos.
Se eu vivesse numa sociedade militarizada ou doutrinada para combater com a morte tudo o que não fosse a vida que eu entendesse que era a verdadeira vida, admitiria esta luta, mais, consagrá-la-ia como a heróica humana forma de vida, ou continuaria a pensar que não era esse de todo o meio que me permitiria o fim almejado? Em democracia admitir a morte por ideais é o equivalente a um suicídio cívico. É sacrificar à liberdade com sangue. Mas que raio de liberdade é esta que se conquista com sangue? Sim, bom, mas o que fazer com os inimigos que nem sequer pressupõem outra forma de defender os seus próprios ideais a não ser pela imolação da sua própria vida? Que desprezam qualquer outra forma de dirimir o conflito de valores ou de formas de vida? Não se deve combater pela liberdade contra os seus inimigos? Eu não conheço outra resposta que não seja a que diz que existem pensadores, que existem políticos, que existem diplomatas, que existem leis e tribunais internacionais, que existem forças regulares de segurança e nenhuma destas ordens que garante um Estado de direito deve poder evocar a necessidade da consagração da vida dos seus cidadãos.
Na realidade conhecer até conheço outra resposta mas pôs-lhe açaimo e conto-lhe histórias de algumas revoluções, ou de algumas intervenções armadas no mundo em nome dos direitos consagrados no espírito das democracias, até que a resposta aprenda e se transforme numa pergunta. Esse não é um dever de cidadania, o dever é fazer um esforço e raciocinar e argumentar. E quando já não conseguirmos mais? Sermos substituídos por quem o saiba fazer melhor que nós.
4 comentários:
"Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E-xis-tir...
Dêem-me de beber, que não tenho sede! "
-Abençoado Pessoa !
Teresa...que bela referência!
Obrigada por me leres.
um abraço,
isabel
Interessante post. Pessoalmente, penso que a resolução do dilema está em evitar extremismos. Assim que alguém se convence de que a versão do mundo que ele idealizou é a melhor para todos (ou se convence que a existente é a pior para todos), está a um pequeno passo de fazer uma grande asneira. E este é o motivo pelo qual as guerras santas são o que são, e os grande génios loucos são o que são.
Os idealogismos religiosos são absolutistas. Como conviver em paz com uma religião diferente se a minha é a única verdadeira? Se converter os outros é uma obrigação imposta? Se o simples facto de fazer parte de uma sociedade cuja maioria professa a religião errada, obriga os fiés da religião certa a pecarem descaradamente contra a sua fé?
Os idealogismos dos génios loucos, são absolutistas. E têm nelas os mesmos erros descritos anteriormente. Como vai um político fazer política, se é forçado à partida a admitir que ele pode estar errado e o outro senhor político é que pode estar certo?
Não há margem de manobra. Já não é nada comum ver-se alguém a admitir um erro sem que as circuntâncias o forcem a isso. É estupidamente raro ver alguém a admitir o erro antes mesmo de o cometer. É o equivalente a um suicídio social.
Essas guerras são erradas porque nada é absolutamente correcto. A verdadeira questão é: serão necessárias?
Caro Daniel,
Se alguém me definir necessidade eu posso compreender a necessidade de uma guerra. Farei um esforço, mas posso compreendê-la e, mais, até defendê-la. Mas essa necessidade terá que ser exaustivamente fundamentada, exaustivamente justificada e exaustivamente explicada. No fim eu gostaria de saber quantas guerras ditas necessárias necessariamente se manteriam como tal. Ora, a correcção é um dos critérios que entra na qualidade de justificativo. Como escapar a uma certa ideia do que é formalmente certo, de como é correcto proceder-se?
Obrigada por me obrigar a pensar para além de mim.
isabel
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