terça-feira, fevereiro 27, 2007

A “ética da responsabilidade” e a “ética das consequências”

Ao fazer uma distinção clara entre estas duas esferas normativas da acção humana, a ética e a política, Max Weber contribuiu para dar razão aos que atacam o exercício da democracia como mais um sistema que se prende com uma luta e imposição de interesses dos que visam pragmaticamente atingir o poder, ainda que em nome dos seus concidadãos. Na linha de raciocínio de Weber, o homem de acção, o político, teria então que procurar evitar a fidelidade a princípios, como se entende ser a tradução de uma vivência ética ao nível de uma ética de responsabilidade, e prosseguir no plano da ética da responsabilidade, e isto se quiser atingir e/ou manter o poder. Assumir as consequências dos próprios actos mas sem recorrer a critérios definidos por princípio e segundo os seus princípios que os responsabilize, como? E se as decisões a tomar forem claramente não éticas? Bastará assumir as suas consequências e, dizendo-o, pôr em acção a sua decisão e ficar assim moralmente ilibado? E as consequências na vida dos outros, passa a ser responsabilidade de quem? Max Weber não defende este comportamento, em absoluto. Apesar de tudo ele reconhece ao político a possibilidade, e a honestidade, de se demitir no caso de ter que decidir de forma contrária aos princípios éticos por si defendidos, mas, ao permitir essa separação, vulgarizou, e legitimou, com a sua autoridade teórica, a ideia de que há princípios puros de regulação de uma acção ideal que, por não serem passíveis de actualização prática, devem ser considerados de forma diferente dos da acção prática. A separação radical destas duas esferas é injustificável.
Se por um lado com isto se procura evitar o deslumbramento messiânico de uma figurinha que queira impor os “seus” firmes princípios a quem quer que seja, porque esses são a verdade, e reclamando para avaliação da acção política o critério da assumpção das consequências pela decisão, por outro lado também os deixa sem critérios para ajuizar sobre as consequências dos seus actos. Quais são os limites? Quem os define? E como fazer a representação dos princípios? E não terá que se responsabilizar pelos mesmos?




Sir Edward Burne-Jones (1833-1898) "O espelho de Vénus"

Posso ser Ministro da Justiça e manipular números de sucesso administrativo? E ser Ministra da Educação e manipular números de sucesso escolar que escondem a verdade de um sistema que já nem sabe como ensinar o que quer que seja a alguém? Posso?


E posso ser autarca e cometer ilegalidadas que, desde que sancionada/o pela vontade popular, nada me impedirá de concorrer e de arranjar expedientes para continuar a concorrer a eleições tantas quanto eu quiser? Posso?


Numa sociedade que não pede responsabilidade e com um grupo de políticos que não pesam as consequências, pode-se.


Weber, diria eu, podia pragmaticamente assumir a legitimidade dessas atitudes já que, podia ele defender, as consequências far-se-iam chegar na hora de voltarmos a querer ser eleitos como governantes. E, em democracia, é assim que deve ser. Há o tempo para governar, para fazer campanha e para ser eleito. Mas a sensação por parte do público de que existe um ciclo de impunidade e de irresponsabilidade que nenhuma derrota eleitoral corrigirá (na realidade até parece que quanto mais depressa se sair do governo de Portugal mais depressa se tem um lugar de poder internacional e ou de administração em alguma empresa estrangeira), não deixará em aberto uma tentação para o radicalismo que uma defesa intransigente por uma ética dos princípios tomados como absolutos poderá esconder, só porque a ética das consequências a que nenhuma responsabilidade parece dar resposta, anda irresponsavelmente longe das acções da nossa sociedade política?
Max Weber, "A política como vocação" in Três tipos de Poder e Outros Escritos, trad. A. Morão, Lisboa, Tribuna, 2005:63-115.

1 comentário:

Anónimo disse...

E porque a nossa História é rica em referências aproveito para começar por citar Antero de Quental, in 'Prosas da Época de Coimbra':
“Um dos piores sintomas de desorganização social, que num povo livre se pode manifestar, é a indiferença da parte dos governados para o que diz respeito aos homens e às cousas do governo, porque, num povo livre, esses homens e essas cousas são os símbolos da actividade, das energias, da vida social, são os depositários da vontade e da soberania nacional.
Que um povo de escravos folgue indiferente ou durma o sono solto enquanto em cima se forjam as algemas servis, enquanto sobre o seu mesmo peito, como em bigorna insensível se bate a espada que lho há-de trespassar, é triste, mas compreende-se porque esse sono é o da abjecção e da ignomínia.
Mas quando é livre esse povo, quando a paz lhe é ainda convalescença para as feridas ganhadas em defesa dessa liberdade, quando começa a ter consciência de si e da sua soberania... que então, como tomado de vertigem, desvie os olhos do norte que tanto lhe custara a avistar e deixe correr indiferente a sabor do vento e da onda o navio que tanto risco lhe dera a lançar do porto; para esse povo é como de morte este sintoma, porque é o olvido da ideia que há pouco ainda lhe custara tanto suor tinto com tanto sangue, porque é renegar da bandeira da sua fé, porque é uma nação apóstata da religião das nações - a liberdade!” -

Pois que adormecido este povo permanece nas memórias de outros tempos é legítimo perguntarmo-nos: Será a democracia sinónimo de aceitar que as vontades de pseudo-maiorias nos obriguem a fazer parte de uma amálgama de figurantes que assiste impávida e serena ao desenrolar da trama que nos rege? E que, absurdamente, vibra com a acção esfusiante e fantástica desses actores eleitos sob as luzes da ribalta? Pois que nos teremos de questionar seriamente sobre que figurante seremos, somos ou gostaríamos de não ser!
Mas, e porque a noite urge e as madrugadas já não são o que eram, relembro Aldous Huxley, in “Sobre a Democracia e Outros Estudos”:
“Os defeitos da democracia política como sistema de governo são tão óbvios, e têm sido tantas vezes catalogados, que não preciso mais do que resumi-los aqui. A democracia política foi criticada porque conduz à ineficiência e fraqueza de direcção, porque permite aos homens menos desejáveis obter o poder, porque fomenta a corrupção. A ineficiência e fraqueza da democracia política tornam-se mais aparentes nos momentos de crise, quando é preciso tomar e cumprir decisões rapidamente. Averiguar e registar os desejos de muitos milhões de eleitores em poucas horas é uma impossibilidade física. Segue-se, portanto, que, numa crise, uma de duas coisas tem de acontecer:
Ou os governantes decidem apresentar o facto consumado da sua decisão aos eleitores - em cujo caso todo o princípio da democracia política terá sido tratado com o desprezo que em circunstâncias críticas ela merece; ou então o povo é consultado e perde-se tempo, frequentemente, com consequências fatais.
Durante a guerra todos os beligerantes adoptaram o primeiro caminho. A democracia política foi em toda a parte temporariamente abolida. Um sistema de governo que necessita ser abolido todas as vezes que surge um perigo, dificilmente se pode descrever como um sistema perfeito.”

Pois que estamos encurralados! Resta-nos a esperança na “missão do chamado «intelectual» que é, de certo modo, oposta à do político. A obra intelectual aspira, frequentemente em vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto a do político só, pelo contrário, consistir em confundi-las mais do que já estavam. Ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil: ambas, com efeito, são formas da hemiplegia moral” (Ortega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas')

E para terminar à boa maneira infantil:
-Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
-Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato.
-Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
-Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato.
(Lewis Carroll -Alice no País das Maravilhas)