quarta-feira, março 28, 2007

Ontem deplorava eu com um colega de História sobre a necessidade das instituições se atolarem em serviços burocratas fazendo dos não burocratas uns burocratas tementes dos burocratas-mor, à força da necessidade, sob a lei do escárnio ou da ordem, quando ele me falou no livro de Arthur Koestler, Act of Creation. Não conheço o autor, mas o meu colega disse-me que ele tem um artigo sobre o papel dos hábitos interiorizados numa sociedade que era verdadeiramente de antologia e que podia explicar muito bem a mentalidade salazarista de pessoas que ainda que pouco ou nada tenham vivido no tempo de Salazar, se vivificam ainda nesses parâmetros intelectuais dos quais resultam as nossas leis e as nossas regras sociais que as instituições, fechadas, mesquinhas, intriguistas e temerosas, exaltam. Eu não gosto muito de pensar assim. Há aqui algo de determinismo da acção que não aceito. Mas não li o artigo, não tenho como contra argumentar. Mas quando estou irritada por estar quatro horas a fazer um documento absolutamente inútil por ordem de pessoas a quem não reconheço autoridade, a começar pelas pessoas que mandam no Ministério, acabo por embandeirar em arco com qualquer discurso que mais açoite o esgar arrogante dos que precisam de levantar o sobrolho, ou mudar o tom de voz quando dão um ar do seu mando no mundo do pequeno poder. Atitude nada reflexiva esta minha. Mesmo nada. Raios. Mas é que eu acho que não tenho mesmo hábito nenhum intelectual salazarista. Acho mesmo. E o hábito salazarista dos outros irrita.
Se eu repetir muitas vezes, passará a ser verdade, isto? Qual será o meu hábito? O do modelo de Salazar, que eu não soube quem era e com quem não tenho a mínima empatia intelectual ou pessoal, mas de quem devo ter bebido qualquer coisa no leite de quem me alimentou e de mim cuidou, por coação do grupo à ideologia dominante, ou o hábito do filósofo Sócrates de Platão que eu li, e se tornou meu mestre, no liceu? O da história dos portugueses pobres mas honestos e trabalhadores lá na sua aldeia, ou o dos cidadãos do mundo?

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