terça-feira, abril 24, 2007

a excelência na cidade

Mais ou menos a despropósito falei do professor Librescu. Aconteceu numa aula em que eu discorria sobre a forma como a tecnociência influencia a nossa vida contemporânea, ampliando os pressupostos de uma razão ao serviço da ciência e do progresso, que, como todas as boas ideias, pode ter más aplicações.
Abstracções e exemplos concretos, o exemplo concreto e a abstracção. Não há porque escapar.

Disse aos meus alunos utilizando outras palavras mas significando elas que eu entendia que o professor Librescu procurou atingir verdadeiramente a arete que a antiguidade grega terá posto como objectivo de toda a educação. Atingiu pois a virtude por uma acção baseada no saber humano. Respondeu-me a Lígia: “Também… já viu que idade ele tinha? Não lhe custou assim tanto.” Eu ri-me. Não consegui impedir-me. Depois disse-lhe brincando seriamente: “Diz a Dona Lígia do alto dos seus vinte anos arrogantes, não é?”
Ficámos todos mais uns minutos a discutir os critérios que podem definir um acto de heroísmo, e chegámos à conclusão de que não é por se ter mais idade que se é mais corajoso, mas que a idade poderá trazer mais sabedoria, a qual, se aliada à coragem, pode transformar-se em manifestação de um acto heróico. Isso antes de encerrarmos o assunto e avançarmos com algumas teses sobre as ligações de interesse entre a política, o capital e a ciência.

Não lhes falei do castigo que os gregos diziam ser fatal cair sobre todo aquele que agisse ou proferisse palavras carregadas de Hubris, porque isso ainda vinha mais a despropósito.


“O Estado do séc. V é assim o ponto de partida histórico necessário do grande movimento educativo que imprime o carácter a este século e ao seguinte, e no qual tem origem a ideia ocidental de cultura. Como os Gregos a viram, é integralmente político-pedagógica. Foi das necessidades mais profundas da vida do Estado que nasceu da educação, a qual reconheceu no saber a nova e poderosa força espiritual daquele tempo para a formação de homens, e a pôs ao serviço desta tarefa.”
Werner Jaeger, Paideia, Aster, Lisboa, 1979, p. 313.

E esta necessidade profunda do Estado não consistia em palavras para serem defendidas em campanha política, em outdoors de péssima concepção publicitária, como os que são pagos pelo nosso Ministério, pois eram palavras que reflectiam um movimento cultural-educacional profundo no Estado ático, e que o transcendeu, chegando até à concepção de Estado das revoluções liberais do século XIX.

2 comentários:

Anónimo disse...

Bem hajam os Heróis!
Principalmente aqueles que, dia a dia, fazem da sua vida um percurso no caminho da sabedoria, que, tal guardiães supremos, dão a própria vida por algo muito sagrado no destino da Humanidade: o Saber!
São eles, os Heróis, os verdadeiros, que nos fazem sentir do tamanho da nossa pequenez, mas que também nos mostram que é possível ser do tamanho do que o nosso esforço e a nossa coragem nos permitirem ser.

Isabel Salema Morgado disse...

De certa forma o relativismo, ou a a titude cínica de olhar os outros, distanciou-nos desse entendimento e dessa admiração pela figura exemplar. Como se o que é humano tivesse que ter necessariamente uma falha, uma mácula. Ficamos com a noção de perspectiva e perdemos a noção de modelo. Ficámos mais desamparados mas não menos ansiosos no nosso comportamento social, parece-me. Se calhar com saudades dos heróis.
um abraço Teresa,

isabel