terça-feira, abril 17, 2007

Solidão - apontamentos

Aqui há umas semanas, enquanto falava do bairro que ajudou a arquitectar, e que eu conheço desde que nasci, Nuno Teotónio Pereira pareceu-me cansado. Não sei porque me parecia, porque na verdade não o conhecia. Mas pareceu-me mesmo cansado. Não em relação a si mesmo, porque ideia de um si mesmo eu não tinha, mas em relação a uma ideia que eu faço do cansaço e da ausência deste nas pessoas. Não esse cansaço físico, ou impaciente, de quem anda muito ocupado com milhares de afazeres, mas um cansaço ao rés da respiração. A entrevistadora, enquanto deambulavam pelo Parque José Gomes ferreira, que teima em não querer deixar de ser a “mata” apesar das muitas e boas obras nele realizadas, ou pelas ruas do centro cultural, pelo estádio do INATEL ou pelos bairros residenciais que quadriculam a igreja de São João de Brito, procurava saber dele, da sua vida pessoal e profissional, perguntas a que o arquitecto se furtava com a atitude um homem simples a quem não lhe apetece ouvir-se falar acerca de si, mas antes falar dos outros que conheceu como mentores da construção do bairro, ou dos seus moradores.
Um homem cansado. Pensei: Estará doente? Desapontado? Lúcido como se está às vezes na vida? Reflectido, por essa viagem no tempo? Senti-o um homem solitário durante todo esse programa, sobretudo quando Ana Sousa Dias lhe perguntou mais ou menos o seguinte: “Lembra-se do primeiro 1º de Maio festejado aqui neste estádio? Esteve na tribuna com Mário soares, Álvaro Cunhal, entre outras grandes figuras, não foi?” Ouvia-se um restolhar linguístico. Respostas lacónicas e sumidas. E não eram por vergonha. Mas um grande cansaço de quem pensa: "Sim. E daí?"

Odete Santos saiu do parlamento ao fim de 26 anos como deputada do Partido Comunista. É normal. Talvez não o seja simbolicamente. Mas isso… O que mais me tocou foi vê-la, pouco tempo antes de fazer o seu discurso na Assembleia, a percorrer o parlamento acompanhada por uma equipa de reportagem da Sic Notícias. Tão absolutamente só. Não sei o que esperava. Na realidade, as pessoas que com ela se cruzavam eram simpáticas quanto baste, mas com aquele ar de simpatia que as pessoas dão ao demonstrarem estar muito ocupadas em pensar ou fazer outras coisas mais importantes. Todos sabemos como é. Uma simpatia do tipo: Eu estou aqui mas devia estar ali, e na realidade a minha cabeça até já lá está. “Olá, olá. Adeus, adeus.” Um beijinho, uma palmadinha nas costas, um relance para a câmara, um sorriso amarelo e toca a andar. Vinte e seis de anos de vida parlamentar intensa.
Levou consigo as palavras de uma cartilha que não reconheço como razoável enquanto proposta de uma ordem política. Mas também levou uma vida sem contemplações dissimuladas e avarentas em nome do seu interesse económico próprio. Não a vemos sair para um grande escritório de advogados, ou para administradora de uma empresa privada ou particular. Saiu sozinha. Para a poesia, talvez para o teatro, confessou em entrevista a Maria Flor Pedroso na Antena 1.

“Mas é difícil viver nestas cidades portuguesas” – disse-nos António Barreto. Sobretudo se as tivermos a comparar com as sociedades mais imaginadas que reais que visitamos quando em trabalho ou em férias. Mas há uma verdade insofismável naquele tom cansado do sociólogo quando falava do urbanismo português nas últimas décadas. A de cidades em eterna construção e que no entanto têm sempre prédios decrépitos, feios, em bairros e ruas mal organizadas, de construção barata que iremos todos pagar bem caro, como nos avisou o arquitecto convidado neste terceiro programa, na hora em que chegarem as obras de recuperação dos edifícios, e também quando chegarem os programas de recuperação de algumas das vidas de adultos que cresceram em bairros sem espírito, beleza ou utilidade.
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Falam de universidades, de ensino. Há uma abissal falta de programação sistemática, ponderada e projectável no futuro, da ideia de sociedade. É como se Portugal não soubesse pensar por si, como se quem mais pressionar, mais ganha. Sem perspectiva a longo prazo. Sem ideias. Porquê?
Quem tem medo de utopias realistas fica a pespontar os remendos. Bom, é uma forma de vida.

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