segunda-feira, maio 07, 2007

A educação de um revolucionário: Lenine 6


Terminada a leitura do livro de Robert Service fiquei com a ideia de um equilíbrio correcto na análise do político e da pessoa Lenine.

É verdade que Service indica frequentemente como sendo uma motivação para as leituras e para a acção política de Lenine, os ideais de educação que os seus pais incutiram na família, arriscando-se o autor a dizer que o louvor de Lenine pelas práticas de ditadura, terror e violência, advinham das ideias marxistas, mas também por alguém que “se inspirara nas primeiras gerações de pensadores socialistas russos.” Acrescentando Service ao retrato de Lenine: “Era um revolucionário-erudito com um profundo empenho na perfectibilidade da humanidade, herdado da filosofia do iluminismo.” (p.232). Ora neste ponto está um dos dois reparos que eu faço à biografia: 1. Que se possa provar que Lenine aderiu intelectualmente ao tipo de estratégia de terror conduzido por Robespierre e seus congéneres durante a Revolução Francesa, vendo nela um modelo para a revolução bolchevista, é uma coisa. Mas que se tenda a associar frequentemente as ideias de progresso, educação e razão do iluminismo com as ideias de terror, ditadura e violência de qualquer pensamento revolucionário, jacobino, marxista ou o que seja, implicando-as inequivocamente, é uma avaliação ideológica da causa e das consequências, e que, do ponto de vista da prova filosófica, tem falhas. É uma linha de pensamento, e pode ser contra-argumentada, não é uma verdade histórica, uma relação lógica, ou um facto empírico. É uma tese. E, já vimos, com Apel e Habermas na Alemanha, com Rawls e Putnam nos EUA, entre outros, que a razão humana continua a ser um suporte fundamental para dirimir conflitos, para propor soluções no quadro da discussão pública da crenças e não necessariamente na sobrevalorização de uma crença entendida como verdade universal produzida por uma razão fascinada em si e para consigo mesma.

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Logo, não havia necessidade por parte de Service de fazer valer um ponto de vista teórico que me parece pessoal, o de que a ditadura marxista-lenenista estaria assente nos valores propalados pelos teóricos precursores da Revolução Francesa, como se esta ligação teórica-prática decorresse de forma necessária. As doutrinas revolucionárias do século XIX terão retirado lições da Revolução Francesa, claro. Como tiraram de outras tradições sociais e políticas que evoluíram numa proposta de acção de defesa intransigente de uma verdade única, fosse ela política, social ou religiosa.

Terão os bolchevistas, com certeza, aprendido com os revolucionários ditatoriais franceses, a acentuar a importância do autoritarismo centralizado, para conduzir a bom porto a sociedade preconizada, terão adoptado a violência como meio justificável os terroristas revolucionários russos, e ter-se-ão também servido dos pressupostos marxistas de legitimação de instituição de uma prática política científica que conduzisse ao sucesso do socialismo no mundo, mas, essa consequência foi uma das que era possível extrapolar do acontecimento revolucionário passado em França, havia outros actores teóricos e políticos que não alinhavam pelo diapasão da defesa do terror ou da ditadura, e no entanto partilhavam a crença na razão iluminista.

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2. Outro ponto negativo, nesta excelente biografia, é a tese da indiferença de Lenine para com o destino da família real russa (assassinada sob o seu governo), mas também para com algumas classes consideradas burguesas (industriais, bancários, agricultores ricos, religiosos, mas também médicos, professores, intelectuais, etc.), como sendo um pressuposto não só teórico e preconizado na literatura marxista (que defendia a luta de classes como um momento necessário na conquista da sociedade comunista), o que está certo do ponto de vista da análise, mas também como resultado de uma certa vingança pessoal contra a família do Czar (que condenara à morte o seu irmão) e contra as classes dos indivíduos que na sociedade de Simbisk ostracizaram a sua família após esse trágico acontecimento. Parece-me difícil comprovar esta tese sem que Lenine o tenha reconhecido ou disso deixado provas.
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Julgo que o facto de haver uma teoria, que se tornou uma crença para Lenine, que defendia a possibilidade de se realizar na terra uma sociedade perfeita de convívio social e económico entre os homens, mesmo que isso implicasse a destruição da ordem presente por um mundo novo após uma luta de classes e sem se deter em questões de moralismos políticos, foi a pedra de toque de todas as suas acções, coadjuvadas com as circunstâncias históricas. Ele era um teórico, aplicou a sua teoria à realidade, mas também se adaptou a ela quando precisou de criar a sua polícia secreta, a Tcheka, para perseguir dissidentes, ou quando inverteu as resoluções teóricas do marxismo económico com a criação do seu plano de uma "Nova Política Económica" quando percebeu que não só os camponeses mas toda a sociedade estava a ponto de se rebelar, pondo em causa o próprio processo revolucionário.

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Sem a influência de Lenine a Revolução de Outubro, o Tratado de Brest-Litovsky e a Nova Política Económica poderiam nunca ter acontecido, como nos diz Service, afirmando ainda: “Lenine fundara a facção bolchevique. Escrevera Que fazer?, as Teses de Abril, e o Estado e a Revolução. Elaborara uma estratégia para a conquista do poder e cuidara de que o poder fosse conquistado. (…) Ele não tinha um plano para o Estado de um só partido que foi criado em 1917-1919, mas várias instituições desse Estado foram criadas por ele. Entre elas, esteve a Tcheka e ele insistiu que o terror devia continuar a ser um instrumento de governação à disposição dos comunistas. Acima de tudo, Lenine foi o principal criador do próprio Partido Comunista Russo, um parido que se distinguiu pelo seu empenho no centralismo, na hierarquia e no activismo. Seria estranho afirmar que não teria existido um partido de extrema-esquerda na Rússia se Lenine não tivesse vivido. Mas seria igualmente absurdo supor que o Estado Soviético de um só partido e uma só ideologia teria nascido sem Lenine.” (p.615)



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