segunda-feira, setembro 24, 2007

As palavras que eu gostava que os editores tivessem escrito quando publicaram notícias sobre o conteúdo do diário de uma mulher sob investigação.

Kate por Francisco José Viegas no JN.

"Um dos epicentros desta tragédia aconteceu, no entanto, quando a polícia resolveu apreender - dando-lhe existência - o diário de Kate McCann. No extraordinário mundo do segredo de justiça português há sempre formas de os documentos chegarem à imprensa para proteger um dos lados do conflito - porque se trata de um conflito entre duas trincheiras armadas da sua fé. Quando a imprensa veste a pele de moralista, faz figuras ridículas; ao tentar um assassinato de carácter na figura de Kate McCann, o retrato foi absurdo. Não ocorreu apenas nos jornais portugueses. Os ingleses, espanhóis, franceses e brasileiros, davam largas à sua capacidade de indignação subtil ao afirmarem que, preto no branco, no segredo do seu diário, aquela mãe achava que as crianças eram histéricas, que Maddie era hiperactiva e que o marido não ajudava a tratar dos gémeos. Daí se inferia, na alma popular incitada pelos jornais, que estava tudo escrito e que a polícia ia deitar a mão (com base em quê?) àquela mãe cruel. Ora, todas as mães chamaram histéricos aos seus filhos e todas já acharam que eles eram hiperactivos. Todas já acharam que os maridos não as ajudavam. Todas elas, em algum momento, pensaram na sua vida sem filhos. Todas elas têm vida para além dos filhos e nenhuma delas está exclusivamente destinada, como se fosse carne para canhão, à carreira de reprodutora, puericultora ou educadora de infância. O que os jornais quiseram fazer com a "caracterização psicológica" de Kate McCann a partir de fragmentos escolhidos do seu diário é, francamente, uma filha da putice. O leitor conhece a expressão."

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