Nunca houve sistema nenhum até hoje que realmente pudesse suportar uma participação plena do indivíduo na vida pública. De uma forma ou de outra os sistemas, mesmo os democráticos que de participação plena vivem em estado de pensamento utópico, são exclusivos na admissão de ideias de governabilidade e na distribuição que fazem dos lugares autorizados para exercer esse governo. O indivíduo pode ser ensinado a apreciar esse processo, pode aprender a escolher os que quer ver como seus representantes, de aguardar pelos ciclos eleitorais para proceder a mudanças, de expressar a sua oposição de forma enquadrada pelas regras democráticas e pela lei da sua sociedade, mas não pode pensar que em qualquer momento e desde que para isso sinta vontade ou reúna recursos económicos ou militares, pode alterar um projecto político legitimamente sufragado. Por isso a questão do ensino da cidadania passa pela apresentação de uma lista de direitos devidamente enquadrados por uma lista de deveres, para manter o balão de ar seguro a um ponto fixo na terra.
O problema, como foi sempre um problema, trata-se se saber onde está esse ponto fixo, como se apresenta e em nome de que valores, ou do que regras civilizacionais, se pode fazer representar.
É verdade que há sociedades que preferem ver-se como comunidades, e entenderem-se socialmente segundo regras comunitárias, onde o indivíduo é menos importante que a família, ou o seu grupo comunitário. O ponto fixo que prende o balão das ideias e das acções sociais destas pessoas encontrar-se-á noutro tipo de socialização ou de consciencialização sobre as formas dessa socialização. Mas havendo mais do que um ponto fixo, isso deixar-me-á feliz pela diversidade de formas de viver e sigo tranquilamente a vida ou provocar-me-á desejos de comparar a solidez dessas formas para de alguma forma poder escolher a melhor que me aprouver, subalternizando a preterida? Mas que pontos fixos vamos escolher quando toda uma tradição, sob todas as formas de autoridade, me alimentou e encaminhou para essas formas de entender a realidade?
E no entanto as pessoas escolhem fora do quadro de referências da sua comunidade, mesmo se pequena, mesmo se quiser manter-se à parte. Porque não existem ideias de comunidades não transformáveis, existem ideias de indivíduos que querem ver as suas comunidades segundo ideias não transformáveis. E os processos que impedem a transformação são quase todos violentos, implicam sempre restrições à liberdade de expressão e um forte policiamento que assegure a restrição e puna a transgressão. E no entanto, nenhuma sociedade, mesmo a democrática, pode facilitar o processo de transformação, nenhuma pode precipitar-se numa ordem social de participação nos assuntos públicos.
É por isso que a sensação de nariz colado ao vidro a ver os riscos de luz que um carro a rolar aceleradamente nos dá de uma paisagem urbana nocturna é ainda a sensação do indivíduo que olha o processo democrático em andamento.
segunda-feira, outubro 22, 2007
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