Como é que se pode pensar à esquerda ou como é que se pode pensar à direita, eis um fenómeno que deveras me intriga. Que as pessoas se identifiquem com políticas definidas como de direita ou políticas definidas como esquerda, bom, enfim, sempre é uma variante mais compreensível, porque depende da necessidade de pertença de cada um, e de o fazer nesta medida através de uma correspondência entre a intuição, ou a educação ou a atracção ou a intenção, e as ideias apresentadas por outrem. A questão da filiação só intriga por não sabermos explicar verdadeiramente o processo que está na sua origem. Mas isso de se pensar à esquerda? Ou pensar à direita? O que será isso?
Bom, há pessoas que dizem saber o que é. E há até no mundo jornais que se assumem como os que reflectem o pensamento da direita e os que pensam à esquerda. Fantástico! Em Portugal há quem gostasse de ver os jornais a serem identificados com essa divisão feita para a política. Chamam-lhe, ao desejo de doutrina, legítimo precisamente em imprensa doutrinária, a necessidade de os jornais praticarem um serviço de esclarecimento que impeça o cidadão dito ingénuo de a eles recorrer com a ideia de que aí vai procurar uma posição bem fundamentada e argumentos sólidos mesmo se contrários aos seus, ou uma notícia o mais independente possível das pressões de uma autoridade exterior à dos critérios de edição de uma imprensa livre. A acontecer, isto da imprensa comprometida, revela um duplo atentado contra a consciência: contra a liberdade de pensamento dos que aí escrevem e contra a liberdade de julgar e de decidir dentro do que lê no seu jornal dos leitores.
Dizia-me uma investigadora de ciências da comunicação brasileira: "Então não é que eu era considerada pelos meus colegas uma pessoa de direita só porque comprava e lia um determinado jornal, e só porque me interessava as opiniões dos articulistas que lá escreviam? Sabiam lá eles das minhas identificações partidárias!" E uma outra colega espanhola acrescentava:"Um grupo de cidadãos da localidade x tentou fazer com que o jornal da região noticiasse o atentado ecológico que estava a afectar a costa por causas que se prendiam com falhas no sistema municipal de saneamento. Mas como esse jornal era conotado com o partido representado no município, o grupo de cidadãos não conseguiu fazer passar as suas queixas ou sequer noticiar o ocorrido. Teve então que procurar os meios de comunicação nacionais através dos contactos que alguns de entre os seus membro tinham no meio jornalístico." Perfeito. Um mundo de tribos a querer transformar o pensamento num sistema de consanguinidade. Como é que isto é possível a não ser pela imposição de uma ditadura do pensamento único? Que muitas pessoas se sintam mais seguras neste tipo de espaço criado por autocensura intelectual é um direito que lhes assiste, que o queiram impor como estratégia de socialização é que é lamentável.
Mas como criar identificações livres? Isto é, saber-se que se é de esquerda ou de direita, de travar as defesas desses princípios que os ideólogos dizem ser de esquerda ou de direita, votando em conformidade (o que interessa aos dirigentes partidários, claro) e reservando-se todo o direito de duvidar da sua afiliação, até das conclusões e das acções dos que se dizem seus pares, de se reclamar um pensador livre, e tudo isto sem se trair a si próprio ou sem trair os seus correligionários?
Se calhar há que falar de princípios versus os interesses, e isto para se compreender a liberdade de opções intelectuais ou adesões emocionais. Mas quais princípios? E como saber como distingui-los dos interesses? Quem legitima o quê? E de que forma?
É muito mais simples emprenhar de ouvido. Mas então que liberdade radical de consciência houve pela escolha de um vinte e cinco de Abril se sobrepor a um vinte e cinco de Novembro em Portugal? Mera questiúncula de interesses partidários? Ou de princípios? Voltamos ao mesmo.
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