segunda-feira, fevereiro 25, 2008

A vertigem

Vejo que no meu país a polícia usa como critério para identificação de pessoas que se concentram em protesto contra as políticas públicas de forma espontânea, e por isso carecendo da autorização das reuniões em via pública, o facto de elas terem falado para a Comunicação Social. Vamos lá, se a polícia tinha o dever de identificar alguns dos presentes tinha que o fazer em relação àqueles que precisamente tinham prestado declarações aos meios de comunicação? Eu se fosse chefe da polícia, ou polícia mesmo, coibia-me totalmente de usar esse critério como forma de avaliação. Arranjava outro. Do género, todos os que tiverem camisolas cor-de-laranja, ou todos os que forem mais altos do que eu, ou que falarem de forma audível pelos demais ou ainda os que acenarem com um lenço na minha cara. Pronto, eram critérios também eles discutíveis, alguns deles estéticos, mas não ponham em causa propriamente os valores de uma sociedade democrática.

Se eu fosse chefe da polícia, ou uma polícia mesmo, destacada para o serviço em questão mas possuidora de uma matriz cívica democrática inabalável, jamais aceitaria cumprir a ordem do: o primeiro que prestar testemunho a um jornalista vai logo ter que ser identificado.

Então vai levantar-se a suspeita de que os transeuntes reunidos só são passíveis de serem suspeitos de uma ilegalidade se disserem o que pensam e o que fazem ali reunidos aos meios de comunicação? Corre-se este risco numa sociedade democrática? Então não há o pudor, já não digo do respeito pelos princípios, mas pelo menos da aparência do respeito pelos princípios?

Falam-me de autoridade do Estado, e eu vejo compressão pela máquina do Estado. Dizem-me que é toda uma nova dinâmica funcional/organizacional a que se está a dar rumo em Portugal e eu só vejo vacuidade crítica e reflexiva em alguns membros deste governo. Começaram todos com o discurso aprendido de cartilha, com certeza aprendido nas reuniões de ministros, só pode: temos que combater as corporações, os grupos profissionais que concentram muita mão-de-obra e que saem caros ao erário público, temos que reter as pessoas em patamares salariais que sejam estreitos e para isso podemos tudo, até atacar valores civilizacionais em nome de uma maior e mais efectiva organização/racionalização administrativa. E tudo se reduz a este intento.

É a vertigem da mudança pela mudança, e se pelo meio se atropelar regras invioláveis de uma sociedade respeitadora da liberdade de cada um... assim se faça, em nome tudo de boas razões que acabam por se legitimar a si próprias enquanto tais porque não admitem atempadamente o contraditório.
Enquanto isso os professores reúnem-se, pensam e agem pela dignificação do seu papel social. É um sinal de resistência à vertigem burocrática.

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