quarta-feira, abril 09, 2008

É engraçado, e é engraçado porque não encontrei outra forma de o dizer, como Robert Walser se despede da sua personagem fazendo-a viver até á última linha o drama de uma existência dividida entre o impulso para o intelecto e a denegação ou desejo de resistência a essa actividade. Entre a imolação da individualidade através da reflexão sobre o que há de demasiado pequeno em si, intuindo, ou desejando, uma outra dimensão que o liberte do que experiencÍa mentalmente. Lembra-me a poesia de Alberto Caeiro, mas com um Alberto Caeiro mais atormentado pelo seu efectivo, e testemunhado ao longo do livro, saber pensar.

Descobri em Jakob Von Guten um possível irmão mais novo da personagem Ulrich em O homem sem qualidades de Robert Musil, e o irmão um pouco mais velho da personagem Törless do livro O jovem Törless do mesmo autor, sendo que muitas passagens descritivas que remetiam para descrições de pesadelos ou de perturbações nos estados de ânimo me parecem ter tido eco naquela torrente de imagens/sensações captadas aquando da passagem da personagem Virgílio no livro A morte de Virgílio de Hermann Broch, em que Virgílio, já doente, deitado na sua liteira*, é submetido a um processo de iniciação à influência das massas, no percurso que o levou, desvalido e exposto, pelas ruelas estreitas da cidade portuária de Brindisi onde o seu návio fundeara.

Imagino estes autores juntos, naquilo que já era um tempo sombrio, usando livremente o título de Annah Arendt. Mas é engraçado, à falta de outra palavra, como o refazer ou o reconstituir de uma memória é incomensuravelmente mais difícil do que as sensações que nos colhem no presente.
“-Espelho, espelho meu, onde houve tempo histórico mais sombrio que o meu?”
Como é que dizia Júlia ao despedir-se de Charles em Recordar o passado em Brideshead e citando algo do Livro de Eclesiastes? Ah, sim...
“Vaidade, vaidade, tudo é vaidade”

Hoje é um bom dia para revisitar o documentário sobre “Recordar o passado em Brideshead”, de facto.

*Por lapso escrevi ontem "leitora" ao invés de liteira. Tão engraçado... O lapso quero eu dizer.

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