sexta-feira, abril 04, 2008

Política de identidade: paradoxo

Analisemos os dados mundiais para a população. No segundo em que fiz esta cópia estava em 6.696.393.474. Sabemos que estes dados são fictícios apesar das boas intenções estatísticas, pois a actualização rigorosa destes números ainda não é possível no mundo. São cálculos baseados em censos que extrapolam para uma determinada sucessão a que a demografia não dá total cobertura, pois sabe-se que mesmo em países com censos e registos actualizados nem sempre todos os indivíduos são assinalados, pelas mais diversas razões sociais que passam desde a emigração ilegal a pessoas sem residência ou trabalho declarados, quanto mais em países em vias de desenvolvimento que não têm meios para proceder ao devido apuramento.
Seja como for é um número bastante aproximado. Um número que nos faz pensar, não exclusivamente pela sua grandeza presente, mas pelo facto de só neste século se ter conseguido triplicar o número de habitantes no mundo, o que nos faz imaginar na hipótese de dentro um século, seguindo este aumento exponencial, estarmos com um número de habitantes verdadeiramente surpreendente, e alarmante, tendo em linha de conta os recursos disponíveis e o tipo de economia predadora como é a economia baseada no consumo individual das sociedades desenvolvidas.

É por isto que me rio sempre que se fala em problemas de natalidade em Portugal, ou na Europa. Com milhares de seres humanos em situação de pobreza extrema, com milhares de seres humanos com fome, e nós impedimo-nos de pensar numa política de imigração com efeitos reais sobre a taxa de natalidade, ou numa política de adopção verdadeiramente preocupada com crianças e pais adoptantes. É claro que poderemos pensar onde fica a questão da identidade portuguesa se houver um aumento exponencial de indivíduos cuja cultura e tradição seja de tal forma diferente que colidam com a dos nossos valores. Mas primeiro era preciso que eu acreditasse que Portugal tinha valores distintivos dos de qualquer outro povo, ainda que não almeje valores adversários aos dos princípios que regulam os direitos humanos, ou geradores de conflito, que necessitassem de ser defendidos, e em segundo lugar, era preciso que eu acreditasse que havendo esses valores eles estariam em perigo pela vinda de seres socializados de forma distinta e por isso se mantivessem estranhos aos mesmos. È claro que o radicalismo ideológico pode fazer sobraçar uma cultura, mas não uma cultura que se reconheça e que queira ser reconhecida utilizando todos os mecanismos de um Estado de Direito para se defender.

Assim, a circulação de indivíduos no mundo, não deve ser entendida como um negócio de corpos, mas como um contrato de crenças passíveis de serem partilhadas ou pelo menos reconhecidas e respeitadas. A vinda de imigrantes para as nações faz-se em nome da vontade de ganhar dinheiro e ter uma vida materialmente mais desafogada para si e seus descendentes, mas também em nome dos valores que essa terra, passando a ser sua, vai ter que exigir como contrapartida. Não me interessa se as pessoas são verdes e azuis, interesse-me saber se se reconhecem em Portugal e no mundo como portugueses. Mas que valores são os de Portugal? São os dos países ocidentais por mimetismo, por vontade assumida ou inércia cívica, ou temos algo distintivo na nossa sociedade que nos faça singulares e que nos dê orgulhe transmitir a todos os indivíduos em processo de cultivação/socialização?
A identidade está nos livros de história e nas artes? Está na língua? Nas formas de manifestação e convívio populares? Onde? E o que estamos a fazer, no caso de sabermos identificá-la, para a divulgar e conluiar as pessoas à sua volta de forma emocional e intelectual?
Pelo que observo nas festividades institucionais deste país, parece-me haver ideia de colagem da identidade portuguesa à imagem do navegador renascentista que quebrou com o paradigma antigo de pensar o mundo, não sei se por interiorização de um movimento social anímico da nossa consciência pública se por influencia estratégica da propaganda do estado Novo.
A verdade é que é uma bela imagem, e que foi consagrada por Camões, é uma imagem da pessoa interessada no que a rodeia, em explorar métodos e técnicas de locomoção e de comunicação novos, em ir ao encontro de novos povos, mas também é uma imagem crítica, que não quisemos, felizmente, branquear, pois está ligada à defesa de interesses de certas classes de uma determinada fase da nação que colidiram tragicamente com os interesses dos nativos dessas terras. Há uma espécie de vergonha em associar o sem dúvida grandioso movimento da expansão marítima, com o processo da aniquilação dos seres que se lhe oponham como obstáculos ou que foram utilizados como meios para esse efeito. Será esta hiper-consciencialização que nos impede de embandeirar em arco uma exclusiva forma de estar no mundo, reconhecendo-se essa a marca de água que qualquer cidadão português procurará colar a si? E será esta a nossa marca de água?


Por estes dias a França também anda a discutir a sua identidade. Parte dela acha que está a perder a sua liberdade de decisão internacional ao fazer adesão à OTAN. Cabe saber se é a França que perde ou a OTAN que ganha.

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