A democracia como forma de governo obriga a uma aprendizagem do discurso e da elocução. Os gregos, que criaram essa forma de governo, sabiam-no muito bem, e o combate ideológico pela conquista do espírito do discurso entre sofistas e filósofos está aí para provar a importância da arte de discursar em público. A posse do método mais útil ou mais verdadeiro, a luta pela imposição de uma determinada forma de entender a realidade e de actuar sobre ela, a procura de influenciar e de tomar sob sua orientação as jovens personalidades que interiorizassem técnicas e matérias úteis ao seu desempenho como sujeitos capazes de dirigir os assuntos públicos.
A universidade portuguesa, a das humanidades e das ciências sociais, demitiu-se desta querela, e na prática não contribui para a divulgação, execução e reconhecimento do papel fundamental desse exercício de aprendizagem discursiva, dessa demanda pela boa prática quanto à forma e quanto ao conteúdo de um discurso.
Aliás, essa mesma a universidade que de forma sistematizada e universal nunca tomou sequer a defesa ou a reposição da verdade sobre a qualidade dos docentes que formou, avaliou e propôs ao sistema público de educação nas últimas décadas, muitos deles com formações contínuas de seis anos, e por isso encontra-se amodorrada sobre as cinzas do borralho, sujeita ao esvaziamento de competências por fuga de alunos dos seus cursos, ainda convencida que o seu estatuto de superior a algo, ao que será?, a há-de proteger de um ataque virulento como o que este Ministério da Educação lançou sobre o estatuto e o saber dos seus professores, e mais grave, sobre o estatuto e o lugar do saber em Portugal. Adiante.
Na realidade este tolhimento não será o equivalente à perda de uma vida. Não é um tsunami sobre a população da antiga Birmânia. Mas é indicador de uma linha civilizacional que se parece demasiado com um rito de desdém no que ao cuidado a ter em sopesar a força de qualquer ideia quanto aos seus efeitos sociais.
As agências de comunicação substituíram, ou ocuparam em exclusivo, um lugar que os clubes de debate, as aulas práticas de retórica, de exercício público de comunicação, enfim, que as universidades deviam ter desenvolvido. Não para copiarmos o sistema de ensino anglo-saxónico, mas para copiarmos a iniciativa dos gregos clássicos que sobre o assunto disseram aquilo que todos os cidadãos de um país democrático têm que saber: só poderá haver democracia participativa se todos os cidadãos tiverem competência cognitiva e discursiva que lhes permita essa participação, sendo que muitas das áreas de intervenção começam por lhes estar vedadas desde o início pela necessidade de uma formação intensiva no tipo de linguagem utilizada que não é passível de ser utilizada a não ser por especialistas na matéria.
Mas esta exclusividade profissional/técnica não pode ser utilizada como argumento para se impor como modelo de participação social e política. As esferas dos especialistas não podem invadir na totalidade a esfera da vida política, há um discurso e uma prática que terá que ser aprendido por todos os cidadãos que queiram participar na acção pública, e é destes que devem sair maioritariamente os políticos e não dos grupos de "especialistas". Esta declaração de intenções só resultará se houver consciência do público que não tem só o direito de escolher o seu representante, mas tem o dever de se preparar para representante. Isso faz-se numa sociedade que utilize sempre o discurso da participação democrática não como propaganda esvaziada de realidade, mas como princípio de formação social dos indivíduos na família e na escola.
Churchill , como qualquer líder carismático, e com real influência na história do seu tempo, sabia da importância de discursar bem em política. Tinha uma boa formação académica. Tinha aprendido a desenvolver e a dominar uma técnica do que nele se veio a tornar uma arte: a retórica, ou arte de utilizar o discurso para convencer /persuadir outrem da legitimidade das suas considerações.
2 comentários:
"A democracia como forma de governo obriga a uma aprendizagem do discurso e da elocução."
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"Churchill , como qualquer líder carismático, e com rela influência na história do seu tempo, sabia da importância de discursar bem em política. Tinha uma boa formação académica. Tinha aprendido a desenvolver e a dominar uma técnica do que nele se veio a tornar uma arte: a retórica, ou arte de utilizar o discurso para convencer /persuadir outrem da legitimidade das suas considerações."
Pois que tenho de tecer um pequeno comentário à última entrevista que a Sra Ministra da Educação deu na TVI... Não que a tenha ouvido ...pois que já não tenho paciência... o discurso não me persuade... e pelos vistos há muitos a quem já cansa.
Vou contar-vos o episódio, que ocorreu em minha casa, decorrente de tal evento televisivo.
Mal começou a entrevista levantei-me do sofá e dirigi-me à cozinha para lides mais aliciantes... ao que o meu filhote mais novo, escandalizado, comentou:"Então vais-te embora? Não ouves a tua Ministra?" Respondi-lhe: Olha, ouve-a tu e se houver novidades interessantes... vais-me contar.
Lá ficou o pequeno atentamente a ouvir a "nossa Ministra"...(arrependo-me de tal sugestão, mas enfim...)
Passado um bom bocado... entra na cozinha a correr e com ar de arregalo diz-me: "Sabes o que é que a Ministra acabou de dizer? Nem vais acreditar... Ela não está boa..." Em tom de conformismo repliquei: Então? Que foi desta vez?
"Disse que se um aluno tirar um 10 num exame o esforço para que isso aconteça é da escola, dos professores... Se um aluno tirar 19, aí o esforço é do explicador e da família!!! Ela não conhece o meu irmão e a minha irmã... Eles tiram 19 e 20 sem explicadores e sem tu os ensinares... Eles aprendem com os professores e a estudarem! Não é mãe? A Ministra não tem razão pois não? Eu também tiro Muito Bom e é só com o que a minha professora ensina e eu a estar com atenção nas aulas."
É triste que um aluno de 11 anos já teça comentários de incredulidade e descrença perante o discurso de alguém cujas palavras e mensagens lhe deveriam merecer respeito pela sua obrigatória legitimidade.
É lamentável o "ataque virulento que este Ministério da Educação lançou sobre o estatuto e o saber dos seus professores, e mais grave, sobre o estatuto e o lugar do saber em Portugal."
Teresa, Teresa. O que é que se pode dizer mais da equipa que está à frente do Ministério da Educação, e que não parece mais do que ser constituída por auditores de uma empresa sobre a qual pouco sabem, cujos trabalhadores não respeitam ou apreciam, e que procuram a contenção de custos através do emprego de mão-de-obra qualificada barata, de produção em massa e indiferentes aos registos ou aos nichos de qualidade?
Dificilmente teríamos uma ministra com um discurso sobre educação mais desastroso para o país social, sobretudo porque está convicta, e tem uma horda de comentadores iluminados com ela, de que a verdade está nas suas razões, contra a dos docentes deste país. O que fazer com esse discurso?
Continuarmos a ensinar e no devido momento contribuir com a nossa acção.
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