"Quem bate a uma porta de folhas na noite
uma porta de folhas na noite
Quem toca a dura casca do teu nome na noite
a uma porta de folhas
Uma porta de folhas uma porta
Quem bate a essa porta de folhas
Quem bate a essa porta de folhas na noite
Quem bate a essa porta sou eu" , recitava a amiga que me deu a ler António ramos Rosa, por cuja poesia aprendi a respirar também.
Mas se a paixão for uma paixão por um objecto caro, ou pelo menos uma paixão que tem que ser reservada, maneirinha, frugal; não, frugal é uma palavra poética, e a miséria não é poética, nunca o foi, também não o é agora que se mistura o olhar de fadista de esconso com o boné de rapper, a desejar uma vida à teledisco, sem segunda opção, fascinado com mística do delinquente americano ficcionada, também amoroso para com a águia do Benfica e vistoso ao exibir a bandeira nas varandas de prédios baratos.
Se a paixão for cara, e a quisermos partilhar, há que dividi-la, que concentrar esforços ou recursos. Os livros numa biblioteca pública ganham estatuto de objectivo político desta civilização, a escola, sendo pública, é recurso empenhado dos que pensam no bem comum como formação colectiva na ideia de cultura desta cultura mais bem sucedida (há quem fale do interesse privado na criação da escola pública, e daí? Se o meu interesse privado tiver por efeito a realização do interesse público...). Mas eu não sei quando é que isso acontece, ou se sempre assim acontece, sei que muitas das vezes tal não acontece. Procurar a lei e a ordem fixa na sociedade histórica pode ser tanto um pesadelo totalitário como um devaneio cultural que elege os "pilares da sabedoria". Quantos são os pilares? Porque o são?
No livro de Al Gore ele recorre sistematicamente à figura dos "fundadores". Idealiza os que idealizaram os pilares do governo americano. Nos tempos amargurados que vive a América, e cujo fel deu a provar por várias partes do mundo e em especial no Iraque, deve ser curador ter uma ideologia que recompõe uma ordem mais benfazeja para o mundo no passado histórico. Ouvi o pai de um dos sequestrados pelas FARC, o luso americano, anunciar o seu amor pela América, afirmando-a como uma grande nação, e entusiasmado com a celebração próxima do 4 de Julho na companhia do filho. Independentemente da América muito provavelmente não ter sequer contribuído com um parafuso para o caso de resgate, algo que um colega me diz para que eu não tenha quaisquer ilusões, pois os EUA estão metidos em qualquer assunto que diga respeito à América do Sul, mas independentemente disso, o discurso ainda do povo americano é o de fazer fé na América. Ora esta força não vem desta ou daquela administração, é um discurso profundo, social e histórico.
Nós, os portugueses, imaginemos um opositor desta política tipo "chuva de tolos", recorremos ao quê ou a quem para dirimir fraquezas? Quem fundou a nossa democracia? Foi há demasiado pouco tempo para os podermos fantasiar. Não só não os respeitamos, porque os dizemos não serem veneráveis anciãos a começarem uma nova forma de governar contra um inimigo comum, mas jovens mancebos cheios de projectos políticos velhos, como ainda os enlameamos acusando-os de vendidos a capitais ou a ideias estrangeiras.
Maria de Medeiros bem procurou através do cinema reclamar a concentração no formoso (a palavra é catita) e excelente Salgueiro Maia, de uma ideia bela de revolução que satisfazesse as carpideiras de direita e os apaniguados de esquerda. Qual o quê! Preferimos enaltecer a dúvida na entrega aos ideais, denigrir os carácteres, seleccionar as figuras controversas, ao invés de nos concentrarmos na energia assombrosa dessas acções. Justificamos a hesitação em relação a 74 por causa de 75. Andamos sempre à procura de esfriar uma paixão, de a amesquinhar. Como a pessoa casada que tem vergonha do seu cônjuge, que lhe aponta o defeitinho com a elegância de uma cirurgiã, que esconde a sua errância no olhar cosnpícuo para com os outros de outro sexo.
Mas que raio, inventar a democracia não acontece a todas as civilizações, nós temos o quinto império. Eu preferia ter uma nação que embandeirasse com a criação de um governo "do povo para o povo e em nome do povo", mas o quinto império também não é de desprezar, não senhor. Não estou a brincar, embora esteja a sorrir.
Hoje houve flores para os mortos nos atentados de Londres. Eu penso também nos mortos iraquianos. É claro que deponho flores pelos mortos de Londres. É claro. E baixo a cabeça, e sinto a sua morte, e reclamo pela insensatez dos actos que provocaram o seu destino e tudo e tudo. Mas penso nos milhares e milhares e milhares e milhares de mortos a quem ninguém oferece flores em rituais públicos de mágoa. E Al Gore, bem haja, lembra-os, com um livro muito interessante.
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