terça-feira, julho 08, 2008

Porque há e porque continua a haver crise interna?

Não me digam que há crise, expliquem-me porque há crise. Não me digam só que há o défice, e as lutas controversas contra o défice, expliquem-me muito bem porque há o défice. Não as explicações gerais do tipo das que dá o nosso primeiro-ministro "crise internacional", as "famílias espanholas e francesas também...", etc., mas as que podem fazer compreender em profundidade o que se passa no nosso sistema geral de economia e política. Quem lucrou com o défice, de forma inconsciente ou não, quem desbaratou os recursos públicos, e em nome do quê? Se for só em nome de uma ideologia que se julgava meritória e passível de produzir uma boa prática, eu aceito, mas se em nome dessa ideologia se desregulou ou se desleixou a coisa pública, isso eu penso que deve ser penalizado. Porque a ideologia tem costas largas, importa saber como actuam os que dela se dizem herdeiros.
Mas quem na realidade faz esses inquéritos ou até se dedica a essas investigações, nas esquadras, como nas redacções, nos tribunais como nas salas de aula?

É isto que Mário Crespo, como bom jornalista que é, procurou explicar neste seu artigo. Quem o ouve?




Tempestades de águas passadas... de Mário Crespo
Ontem no JN

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Nada nos objectivos e missão da Águas de Portugal a capacita para entrar nas ruinosas negociatas internacionais agora denunciadas pelo Tribunal de Contas. O que permitiu esta situação na AdP e noutras empresas públicas foram as interpretações abusivas do seu estatuto autonómico e o laxismo cúmplice de tutelas incapazes.
Foi na década de noventa que se iniciou o baile de máscaras que travestiu empresas do Estado em simulacros de corporações privadas de modelo americano. Houve na altura colossais transferências de Bruxelas para o Banco de Portugal que nos deram dinheiro como nunca se tinha visto. Verbas que a CEE confiava ao executivo português para serem usadas na tão necessária modernização do país.
A Águas de Portugal nasce dessa imensa bonança financeira, exactamente porque era dos sectores mais necessitados de infra-estruturas. E teve muito dinheiro para isso. O suficiente para desviar algum para umas apostas no jogo da roda internacional. A coberto do pretexto de que eram as suas áreas de perícia compraram-se participações financeiras no Brasil, Cabo Verde, Argélia, Angola, Moçambique e onde quer que os aguadeiros estatais precisassem de um parceiro endinheirado, esbanjador e inimputável.
Outras empresas públicas faziam o mesmo com a inebriante liquidez que o ECU nos trazia, e de repente, funcionários públicos mascarados de gestores privados passaram gerir esses sectores do Estado opados com dinheiros comunitários e a comportar-se como magnates num confortável jogo de monopólio com dinheiro a sério, que não era deles e que e parecia inesgotável. No processo foram desbaratando activos que são propriedade do povo português.
Foi nesse período que a PT, à força de ECU, derrotou telefónicas muito mais experientes e financeiramente estruturadas, numa doida corrida para comprar uma empresa de telecomunicações brasileira que Belmiro de Azevedo identificou logo, na OPA, como sendo o calcanhar de Aquiles da telecom lusa. Foi também nesse período que o próprio Banco de Portugal, num dos mais desastrados investimentos na nossa história, apostou reservas de ouro nacionais em acções de altíssimo risco que eram oferecidas em Wall Street aos apostadores mais ousados.
Tavares Moreira, então governador do Banco de Portugal, acreditou na Dona Branca americana que se chamava Michel Milken e prometia rendimentos miríficos. Milken acabou na cadeia. Portugal perdeu não se sabe ao certo quanto, mas foi o suficiente para fazer notícia numa edição da Newsweek.
Já se passaram mais de vinte anos sobre estes desastres financeiros, mas eles estão bem contabilizados no défice das contas públicas que andamos a equilibrar à custa de maternidades e escolas encerradas, pensões de reforma proteladas e desemprego, porque não há dinheiro.
Um pormenor importante: as alterações do estatuto das empresas públicas que lhes deram esta latitude e impunidade para esbanjamento do património nacional verificaram-se entre 1985 e 95. Era primeiro-ministro o professor Aníbal Cavaco Silva. Tudo o que veio depois é consequência de um modelo tragicamente errado."
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Na aldeia fecharam a pequena escola. Um edifício bem conservado, com campo de futebol e parque infantil. Havia poucos alunos, disseram. Um Verão destes fechou para sempre e as crianças foram para a aldeia vizinha, para uma escola com menos espaço e sem refeitório, o que as obriga a deslocarem-se à casa da associação local para almoçarem. A outra, de vidros coloridos e baloiços abandonados, lá continua solitária. Depois disso, a três quilómetros da primeira e em pouco mais de quatro meses construíram uma escola particular, toda colorida. Eu não acredito em bruxas.
Noutra aldeia, desta feita na Beira Litoral, o excedente de milho na pequena localidade preocupava as agricultoras de propriedades muito pequenas. Juntaram-se e tiveram a ideia de moer em farinha o milho e de venderem o pão. É um pequeno êxito à escala local. Até lhes fecharem o estaminé por força de qualquer regulamento que há-de ser, estou convicta, cheio de boas intenções em proteger os cidadãos.

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