A nossa vida pública às vezes põe-nos defronte de emanações do príncipe de Maquiavel. São momentos decisivos da existência em que nos vemos melhor do que num espelho.
Vergamos a espinha e passamos a servidores de uma causa e em nome de uma culpa que não temos como nossa mas que nos atiça, ou prosseguimos com uma voz, às vezes incoerente, outras tantas balbuciante, imatura com certeza, tantas das vezes, mas nossa, porém?
Não é que sejamos melhor que o príncipe que se senta à nossa frente. Nem somos de natureza moral ou intelectual superior. Nem é o caso também de esse confronto ser inútil, pois na realidade faz-nos reconhecer as nossas limitações cognitivas ou pessoais melhor do que uma conversa entre amigos com afinidade intelectual, não é isso. É apenas um confronto de pessoas, em que uma, tendo estima institucional e consideração pessoal por outra, que a merece por si e pelo cargo que ocupa, não lhe reconhece no entanto nunca o direito de ter a última palavra sobre si própria, uma qualquer situação ou sobre os outros e a realidade que os cerca. Nem sobre o tempo.
Às vezes aquela parte da vida privada que se mistura com a pública, por uma nossa falta, como por exemplo não cumprirmos uma promessa, mesmo se menor e explicável na nossa conta privada do rosário dos nossos dias, pode levar-nos ao cárcere psicológico, e ao desfalecimento da vontade perante a ousadia de nos chamarem por um nome de terceiros, de nos apontarem as falhas, mas também de nos sujeitarem à mudança desejada por quem com o poder dessa descoberta se julga o último tribuno na sessão de julgamento da nossa acção.
Como nos libertarmos? Não dependermos economicamente de ninguém, é um ponto, não dependermos economicamente de ninguém que controle o nosso presente ou futuro social, acrescente-se outro, mas acima de tudo, saber quando se deve cumprir e quando não se deve, e assumir esse decisão, e por fim não desejar nada que não dependa exclusivamente da nossa força e da nossa capacidade de trabalho, evocando a sorte amiga pelo caminho.
Se eu não tiver medo de ninguém, não preciso de temer a não ser pelo meu discernimento. Se eu tiver a coragem de não alterar um milímetro do meu comportamento, sendo que ele não maltrata ninguém, nem ocupa o lugar no caminho de outrem, nem esconde intenções de no futuro vir a prejudicar alguém, mas se manifesta antes como uma necessidade interior de agir ou de pensar dessa forma, então eu serei livre. E ajo conformemente.
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Ao "príncipe" de Maquivel eu respondo com o "príncipe feliz" de Wilde.
Ai é um ensaio político contra uma pequena narrativa ficcionada? Dizem. Ficção por ficção eu escolho a segunda. Em paz. Mas também reconheço ameaças, e também sei como anulá-las sem desfalecer.
Lá precisei eu de escrever isto. Será um incitamento ou um testemunho?
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