A casa que me acolheu e ao meu trabalho de investigadora organizou um debate sobre "As implicações do conflito georgiano na conjuntura internacional", e eu achei que era uma bela oportunidade de me informar. Tinha razão. O debate, vivo e bem fundamentado, entre Isabel David e Marcos Ferreira, elucidou quanto baste.
A sessão até nem começou bem, pois ao entrar no auditório, que minutos depois da hora marcada viria a estar repleto, deparei-me com os estofos das cadeiras vandalizados, sendo que todos apresentavam desenhos, assinaturas e outras "artes" de jovens universitários sem pingo de educação.(!!!!)
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De forma mais académica (mais crítica e ponderada, portanto) Marcos Ferreira explanou sobre a tentativa de recuperação do poder imperialista russo, numa época em que o preço dos combustíveis lhe dá toda uma nova sustentação económica e estratégica que não tinha nos anos noventa, sendo ainda que à frente dos destinos da Rússia temos dois homens com objectivos políticos internacionais bem definidos, sendo conhecidos, sobretudo o Sr. Putin, como um homem que olha para um mapa e sabe interpretá-lo.
Expôs Marcos Ferreira as linhas gerais do problema do "dilema de segurança", mas sugeriu que esse dilema não era irresolúvel e que derivava de sistemática renúncia ao entendimento sobre a real natureza dos movimentos defensivos/ofensivos dos Estados, sendo por isso um pretexto menor aquele que a Rússia terá evocado por considerar ter um carácter ofensivo a colocação do escudo antí-missil na Polónia e na República Checa, países à procura de uma entrada em instituições internacionais que de forma efectiva se comprometam com a sua segurança e defesa de soberania, numa tentativa de solucionarem o erro histórico de não terem tido ninguém a defendê-los aquando de todas as invasões sofridas durante e depois da Segunda Grande guerra.
Não defendeu porém a decisão imprudente do nacionalista e autoritário presidente da Geórgia, com a invasão dos tanques na Ossétia do Sul, ainda que este território fosse na realidade pertença do estado georgiano, sendo este gesto a desculpa perfeita para a intervenção russa no território, e para um presidente russo à procura de uma legitimação interna e externa do seu poder que, na Rússia, é sempre sustentado através de uma guerra. Nenhum presidente russo passou sem fazer uma guerra (Putin, contra a Tchetchénia, até conduziu duas guerras).
Na verdade, evocando direitos iguais para casos iguais, a Rússia vinha defender a independência da Ossétia dos Sul, na linha do que fora feito para o Kosovo. Ora o Kosovo, lembrou o prof. Marcos Ferreira, tinha desde o inicio recebido um tratamento de excepção, pela intervenção da NATO aquando da sua defesa contra os ataques da Sérvia, e ainda que contra a decisão do Conselho de Segurança da ONU, por voto contra da Rússia. Em estado de protectorado desde 1999, a região do Kosovo não foi pensada para vir no futuro a reintegrar o Estado Sérvio, mas foi sempre entendido fazer-se aprovar a sua independência tendo em conta o tipo de reacção agressiva, psicológica e física, manifestado entre os diferentes povos que constituíam o Estado sérvio.
O mais curioso em todo o pensamento de M. Ferreira foi a sua defesa de uma política internacional cuja acção não se tem que reger inevitavelmente à volta do conceito, e da defesa desse conceito, a saber o de "esfera de influência" de certas potências, pelo que isso subalterniza soberanias transformando a maioria dos países em peões dos interesses dos imperialistas de certos Estados.
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Já a profª Isabel David, de forma frontal, ainda que aqui e ali um pouco excessiva pelo uso de linguagem pouco rigorosa, e fazendo apelo à sua adesão aos valores e cultura russas, defendeu sistematicamente as opções político-militares russas, afirmando que aquela mais não fora que a reacção natural a uma política unilateral e belicista por parte dos EUA.
Chamou ainda a atenção para o facto da Geórgia ser um Estado falhado, composto por território fragmentado por várias minorias étnicas, que tem um interesse acrescido para a comunidade internacional porque pelo seu espaço passam vários "pipelines". Para Isabel David há uma tentativa clara por parte do poder americano de criar um "cordão sanitário" à volta da Rússia, registando-se aquilo que o ministro dos Negócios Estrangeiros francês chamou de "necessidade de controlar os russos", e que o "Burro de Tróia", que foi o sistema anti-míssil, torna legítimo que a Rússia queira impor o seu espaço de influência nos países da região, à semelhança do que os americanos têm procurado fazer, e manter, com a sua intervenção sistemática nos governos da América do sul.
Defende ainda a professora que a "caixa de Pandora" que foi aberta com o reconhecimento internacional do Kosovo, justifica agora a tomada de posição sobre a Ossétia do Sul, sendo ambas as regiões conhecidas por possuírem estruturas económicas semelhantes, baseados no contrabando de armas, droga e combustíveis.
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Conclusão: Ambos os oradores concordaram que pela linha de intervenção e argumentação adoptada por si própria, a Rússia fica sem razões e modelo de acção, para continuar a reprimir os movimentos independentistas Tchetchenos, mas que também a diabolização da Rússia não contribuirá em nada para a paz internacional. Ambos consideram igualmente que o futuro poder americano terá que estudar com cuidado o pedido de adesão à Nato por parte da Geórgia e da Ucrânia e que há que ter a rússia como parceira do Ocidente. Mas em tudo o mais discordaram.
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No final decidi que os argumentos dirimidos por Marcos Ferreira eram consistentes com uma interpretação da realidade que avaliei como mais objectiva, e que o imbróglio do Kosovo, muito bem explicado por este último, é uma razão necessária, mas não suficiente, para ajudar a compreender a atitude dúplice da própria Rússia quanto à Geórgia.
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Claro que no futuro, a unipolaridade, bipolaridade ou multipolaridade nas tomadas de decisões em política internacional, é capaz de depender mais da cotação do crude no mercado internacional, do que do número de tanques, ou de teorias influentes.
Helás, no que diz respeito à defesa de uma ideia de multipolaridades na condução dos assuntos universais. Esta devia ser defendida pela razão humana e não pelas cotações do mercado com preços flutuantes.
1 comentário:
Exma Sra.
Para V/ conhecimento: http://neri-iscsp.blogspot.com/2008/10/carta-aberta-direito-de-resposta-isabel.html
Sem mais de momento,
O Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais do ISCSP
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