terça-feira, novembro 04, 2008

"Quem se mete com a gente leva"

"Quem se mete com o PS leva" de Jorge Coelho e o "Habituem-se" de António Vitorino, são as expressões de comunicação que julgo terem franqueado a porta ao estilo trauliteiro que se instituiu na acção política e social de um certo tipo de pessoas em Portugal. De repente, num desvario de prepotência, aprendizes e mestres que lidam com os assuntos públicos começam a achar normal coagir, ameaçar ou insinuar contra quem com eles não esteja de acordo. Já é muito mau que isso aconteça na esfera da comunicação política, mas torna-se verdadeiramente penoso para as instituições em geral que essa prática se tome como reflexo de uma cidadania empenhada. Pseudo factos e generalizações precipitadas assentes em dificuldades de compreender o sentido do diálogo dos outros, embrulhadas em discurso agressivo que mais não visa que intimidar, não fazem parte das atitudes coerentes de quem gosta de deliberações e negociações públicas, baseadas na boa fé dos interlocutores para se atingir um consenso.
É muito mais fácil soltar o pathos de um discurso que se quer exemplar, do que apresentar contra argumentos fundamentados. Neste ganha-se ou perde-se com razões, no outro vence-se quase sempre sem razão: basta pôr-se a falar como quem uiva. Perdemos todos com isto, mas a democracia, então, fica ferida de morte.
Mário Crespo, uma vez mais, não só contextualiza muito bem a questão que escolhe para reflectir, desta feita a questão da grosseria institucionalizada, como indica correctamente o tipo de efeito enquanto problema social que essa atitude promove.
"(...) A pergunta que se põe é como é que um estado democrático coexiste com esta visão de que "quem se mete com o PS leva" que Jorge Coelho, certamente por acidente, transportou para o mundo da estiva nos cais de Lisboa que o grupo a que preside administra.
Ameaças e coação entram directamente na classe dos crimes semipúblicos que o Estado acompanha mediante denúncia dos visados. Se muito graves, e pessoalmente acho que estes foram, podem mesmo ser crimes públicos, nos quais o Estado litigará por si contra suspeitos de autoria e instigadores.
Talvez fosse saudável num Estado de Direito Democrático mostrar que o ambiente de criminalidade estilo Al Capone, que a procuradora Cândida Almeida, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, tão bem denunciou como estando a querer instalar-se em Portugal, não é tolerado. Que não pode haver lodos nos cais de Portugal por muito poderosos que sejam política e financeiramente os grupos económicos. Que as ameaças de que quem se mete com "a gente" de Jorge Coelho leva não são toleradas. Um pormenor mais. A história de Elia Kazan sobre as máfias nos cais de Nova Iorque nos anos 50 era baseada em factos verídicos."
Mário Crespo, "Quem se mete com a gente leva", in JN

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