O povo esse, chamado de quando em vez a depositar o seu voto na urna, serve para emoldurar um território, para o qual se quer encontrar um governador, e aprende a viver com as linhas com que as leis contingentes os pretendem cerzir. Fá-lo há séculos e há-de continuar a fazê-lo por muitos mais. Nem, para meu horror, o fim da democracia seria o fim da Portugal, embora fosse o fim do meu Portugal. Ao limite, nada terá muito importância se pensarmos em termos de história reprodutiva da espécie, ou mesmo desta população. Mas se pensarmos na história de um povo, ou ainda mais importante, na história dos indivíduos, veremos como a nossa capacidade de sobrevivermos não se coaduna com cobardia, silenciamento, adulteração dos factos ou perseguição dos que connosco não concordam. O pântano do país nasce da traição que fazemos a nós próprios e às nossas ideias, ou às pessoas e ideias com as quais nos comprometemos. Não é a verdade que é pantanosa. Essa só dói, mesmo no mecanismo do reflexo de espelho, mas cura.
No país, as pessoas são afectadas pelas políticas dessas lideranças, fracas ou fortes, e sabem na pele o que é sofrer com um sistema de justiça inapto para responder às questões dos mais desfavorecidos e dos mais velhos. Não há ninguém em Portugal que não saiba que alguém ofendido ao afirmar que "vai para tribunal" não ouça um riso ameaçador: "então vá, que eu depois quero ver quanto dinheiro e quanto tempo vai gastar até chegar a coisa nenhuma."
Não me venham dizer que a ingovernabilidade do país nasce das notícias nos jornais do Freeport. Esta nasce sim do modo como as instituições democráticas se relacionam com os seus cidadãos. O caso Freeport, se algum dia se chegar a uma conclusão, é apenas um bónus para a sociedade, e talvez então, nesse caso, se saiba se as notícias são matéria de facto ou de opinião. Mas isso não traz mais governabilidade, porque há milhares de processos parados, e há outros tantos que nunca existirão de pessoas espoliadas mas cheias de medo do próprio sistema criado para as proteger. Isto é que é ter um fraco governo.
1 comentário:
"Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar." Caius Julius Caesar (100-44 AC)
Será este o nosso fado?
Não sermos capazes de nos fazer governar decente e seriamente?
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