Há muito tempo que não conseguíamos ir ver um filme sem ser animado para crianças. Este fim-de-semana deixei o sentimento de culpa de lado, convidei a avó a fazer companhia ao rapazinho, e abalei à procura de um cinema com o meu marido. Havia escolha. Seleccionamos o MilK. Não nos arrependemos.
Ao princípio estranha-se a interpretação de Sean Penn, e pensa-se:"Irá cair no estereótipo da personagem tipo?" Mas não, começa o actor a caminhar no fio da navalha em termos interpretativos e desequilibra-nos em relação ao tema. Faz-nos caminhar no fio da navalha da nossa adesão à pessoa de Milk.
A homossexualidade não foi, como muitos outros temas ditos fracturantes, uma causa pela qual eu desfraldasse uma bandeira. Até há muito pouco tempo não via onde estava propriamente a questão em exigir-se que se respeite legal e civicamente os direitos das minorias, quando era mais que óbvio que só dessa forma se pode proceder em democracia. Quer dizer, não me apercebia que era preciso continuar a lutar por direitos que eu à partida julgava mais que estabelecidos na sociedade portuguesa, não para um grupo específico, para os cidadãos em geral. Obviamente, neste, como noutros assuntos, a minha perspectiva universalista impedia-me de ver a árvore na floresta. De facto havia cidadãos que se queriam casar civilmente e.., não podem. Pois. Também gostava de saber se são preteridos na vida política pelas suas opções. Mas sobre isso preferem nada dizer. Eu penso que era importante saber-se.
Com Milk, como noutros filmes de causas de minorias, o que se evidencia é o caminho de luta contra o status quo político e social estabelecido. Sobressai a estrutura mental do pioneiro. É um clássico do cinema americano. Desta feita o pioneiro era um activista (homem e branco) dos direitos sociais e políticos dos homossexuais americanos. É pouco? Claro que não. Mas é um facto que a sua vida corre a par da de outros tantos homens e mulheres que lutaram e morreram igualmente pela defesa de outras tantas garantias para as minorias que representavam então.
O que mais me seduz em Milk é de igual género ao que me seduz noutros filmes de causa centrados em pessoas: a sociedade civil (um indivíduo a provocar a sociedade civil), com um código ligeiramente diferente do da maioria (não tão diferente até ser irreconhecível, mas suficiente qb. para provocar rupturas), a percorrer um caminho de legitimação das suas exigências. Fascina-me ver os movimentos populares de reforma social.
Já os movimentos reformadores vindos do Estado, dos tais déspotas esclarecidos, cada vez me provocam mais náuseas. Essa força motriz que falta ao cidadão substituída pelo tom de voz do dono do poder que ocupa a cadeira do momento é verdadeiramente perturbador.
Mas isto também é um clássico: alguns detentores do poder, sobretudo quando sentem os adversários temerosos, transformam-se em paternalistas figuras da sociedade que representam. Abominável forma de viver a política.
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