segunda-feira, maio 04, 2009

Ao correr da pena...

Jorge Sampaio faz agora apelos, e dá cobertura, à estratégia de poder de manutenção de um (do) bloco central em nome da governabilidade. Não sei o que terá proposto em privado, mas não teria perdido nada ter alertado este governo para a perda de capacidade de se fazer ouvir pelo tipo de comunicação escolhido.
Andam sempre tão preocupados com a questão da governança da coisa pública e tão pouco com o perfil do governo para Portugal. Ora a primeira, salvaguardada a coerência e as directrizes claras da segunda, não precisa de grandes preocupações. Um bom funcionalismo público, profissional, assegurará o que há assegurar em matéria de governação. O que falta são princípios, e esses são políticos. Os que existem são maus. E não julgo ver em lado nenhum no PSD que está a ir a votos, coisa diferente da que já existe. A imagem de honestidade de Manuela Ferreira Leite não faz por si uma política. Nem devíamos pensar que a honestidade é por si uma excepção ou imagem de marca de um político (parece-me tão absurdo como dizer que aqui o "peixe é fresco"!- aprendi isto com Miguel Esteves Cardoso).
Hoje enviaram-me um vídeo perturbador sobre os números de crentes muçulmanos no mundo, fazendo implicar esse número crescente com a possibilidade do desaparecimento da nossa cultura política e social. Eu abomino este tipo de argumentos, que tão depressa viram os números contra os judeus, como contra os muçulmanos, como contra os católicos, como contra as mulheres ou negros, etc. Uma fraqueza de argumentos. Claro que isto não impede que vejamos como proceder para conservar intactos os valores que queremos defender e perpetuar como nossos.
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Dia da mãe. Recebi uma bela flor de papel do meu rapazinho e um livro da parte do pai. Um livro de João Ubaldo Ribeiro, A casa dos Budas Ditosos. Não sei que provocação foi aquela, mas o livro é belíssimo. Dizem-me que é pornográfico, mas eu, que tenho um interesse mais que ínfimo e até bastante enfadado por esse gosto relativamente à pornografia em geral, afianço que não o considero de todo assim.* É uma escrita fascinante, em nome de uma mulher (o que obviamente lhe dá uma dimensão bem interessante do ponto de vista sociológico, no meu entender), que nos dá uma visão histórica da (sua) sexualidade. Soberbo. Ainda não acabei, mas sinceramente não percebo porque razão ele possa ser considerado escandaloso. Só se for por ser escrito em nome de uma mulher, o que como sabemos faz da moralidade um assunto de Estado. A do homem, essa, é sempre feita em nome de vícios privados, mesmo se alardeados, sobretudo se alardeados.
Estou a ler a versão em português do Brasil e, pela "oralidade" impressa à escrita, são os termos certos, na edição certa.
A tradição de ofertas para o dia da mãe, já não parece bem ser o que era.
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Não plantei as duas "belas portuguesas" porque não as encontrei disponíveis. Fico à espera. Plantei num outro lugar uma roseira com uma flor cor-de-rosa, bonitinha. Perguntei como se chamava, a senhora encolheu os ombros e respondeu-me: -"É uma roseira de estufa, normal. Não sei o nome." Não tem pois nome esta rosa.
5-5-09
*Não o considerava até começar a ler a partir da pág. 107. O romance passa a pornográfico, mesmo. E continuando a utilizar argumentos para justificar as relações sexuais, agora com parentes, perde a graça e entra dentro do tipo previsível da descrição do acto com os interditos socais e psicológicos da nossa comunidade. Por exemplo, o incesto. Lévi-Strauss estudou o tabu do incesto nas culturas e apercebeu-se da importância desta proibição como estando na origem do nosso afastamento, enquanto grupo a constituir-se em sociedade, da vivência do tipo natural. A personagem ao querer justificar o seu acto como natural, está a questionar não apenas uma moral vigente, mas a própria moral fundadora da nossa cultura. É uma liberdade de iconoclasta? Não me parece, antes o arrumar de certos clichés pornográficos sob a roupa de uma grande liberdade de acção. Uma mulher presa ao estádio estético de Kierkegaard? O mesmo que era explicado como caracterizando o indivíduo que encontra sentido para a sua vida na exploração do prazer sensorial. Talvez seja uma definição curiosa, mas a personagem não sofre em momento algum do tal sentimento de angústia por viver nesse estádio. pelo contrário, ela diz-nos que está a escrever para provocar uma acção (tensão sexual no leitor, sobretudo na leitora e empurrão para o que ela considera uma libertação da energia sexual transmutada agora pela libertinagem em liberdade). Diz ela, que essa forma de viver a sexualidade é a mais livre, a mais verdadeira e mais poderosa. Está bem...
A páginas tantas deixei de me interessar pelo livro. Bem escrito, sim senhora. A escrita é fabulosa, mas a trama torna-se chata. Aborrecida mesmo quando caiu no desfile do, agora vou começar a escandalizar em nome da verdade, e começaram a passar todas as hipóteses de pessoas e de estilos base do universo pornográfico. Qual o quê! Ficou sem interesse.
A personagem ficaria enojada com a minha atitude, eu também posso o ficar com as histórias dela.
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8 de maio de 2009
Obviamente que a minha apreciação estética (o livro provoca um longo bocejo a dado momento), e deixou completamente de me interessar, não implica qualquer concessão com proibições. Nesse caso faço minhas as palavras mais que repetidas de Voltaire: "Posso não concordar com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo." Dizê-las, não impo-las. mas dizê-las. Liberdade de dizer. Ler Baptista-Bastos aqui.

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