Há vários equívocos no sentido que fazemos de nós, dos outros, dos outros sobre nós. Enfim, como diria o filósofo Vitorino do velho PS (do novo PS ainda não tivemos o prazer de lhe escutar o seu último chavão): "Habituem-se!" No mesmo registo aliás, do sr. de la Palice que podia exclamar, tal como as senhoras à porta do Centro de Saúde à espera de médico o fazem: "É a vida!"
Há vários equívocos na interpretação de Maquiavel, mas há um facto inegável: ele ensina que é preciso conquistar o poder primeiro se quisermos depois realmente fazer aplicar as nossas ideias (até as que consideramos de interesse público). Isto parece óbvio, mas não é assim tanto. Porque Maquiavel defende que para se conquistar esse direito a governar se deve fazer de tudo, literalmente. Até o contrário do que se poderá vir a fazer quando chegado ao poder, em que a figura vingativa se poderá transformar numa tolerante e equitativa personagem. Obviamente o inverso também é verdadeiro.
Maquiavel não defende que tenha que existir uma coerência nas atitudes, nas propostas e nas acções, entre o candidato ao poder e o executor desse poder. Daqui resulta a famosa expressão: "Os meios justificam os fins."
Um dia, uma colega, sabendo que eu tinha uma gravação de um programa inglês (da BBC, suponho) sobre Maquiavel, pediu-ma emprestada. Mais tarde, quando ma devolveu, e conversando nós sobre a filosofia de Maquiavel e os seus efeitos práticos, ela contou-me que o seu marido, de quem eu nunca soube o nome, resolvera passar a gravação ao então candidato a primeiro-ministro António Guterres, durante um serão em sua casa, e, contou-me ela, após o visionamento da mesma, Guterres se terá mantido silencioso durante muito tempo.
Imagino, pretenciosamente, o dilema intelectual: se quiseres vir a praticar o bem universal, então terás que conceber que numa ou outra altura terás que passar pelo mal individual ou sectário. Perante iso, qualquer pessoa de boa índole, em campanha, ficaria, no mínimo, em silêncio.
Os que se dizem realistas falam na natural luta pelo poder. Eu chamo-lhes cínicos. Podia ser só uma questão de nomes, mas não é. Na história social não existem só os factos que comprovam a teoria de Maquiavel: não é uma inevitabilidade. Mas o seu contrário complica muito mais as contas eleitorais, não é fácil em processo de campanha eleitoral e de febre pela conquista de poder, fazer vingar esta ideia de quem nem todos os meios servem para justificar o fim em si.
Isto tudo para falar do primeiro-ministro (candidato a primeiro-ministro) José Sócrates. Não posso fazer juízo de intenções sobre a presença ou ausência de dilemas intelectuais desta personagem. Parto de um preconceito, pois sou daquelas portuguesas (meia dúzia, a julgar pelos fazedores de opinião) que tenho um respeito imenso por António Guterres e pelos seus princípios governativos, e, na proporção inversa (aqui já há mais de meia dúzia de pessoas a partilharem este sentimento), um absoluto desprezo pelos princípios governativos de José Sócrates. Dito isto, o que entendo serem os princípios governativos deste primeiro-ministro? Princípios económicos e de gestão de recursos apoiados numa ideologia de exclusão, confronto, pressão e planificação.
Vamos lá a ver. Eu não duvido que José Sócrates quisesse criar um governo que fizesse o país produzir mais e melhor. Não duvido que essa fosse a sua intenção. O que duvido é que esse seja um desígnio nacional e social por si, e duvido, em toda a linha, da forma utilizada para o concretizar. J. Sócrates é do tipo de homem que acha que tem uma missão na vida e não se coíbe em atropelar os princípios formais e universais de uma democracia, como a que se espera de uma sociedade desenvolvida do séc. XXI, impondo-se contra o tempo necessário para formulação, discussão e aplicação da sua missão.
Ainda por cima, J. Sócrates tem consigo a maior parte dos gurus da gestão: os auto-denominados empreendedores dinâmicos e pouco dados a discussões circulares (dizem eles).
2 comentários:
Gostaria de saber com uma simples resposta, O que é o poder para Mquiavel?
Para Maquiavel poder seria a arte de impor a sua vontade aos outros.
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