Argumento de inanidade: qualquer tentativa de modificar a ordem social não passa de perseguição de uma ilusão, já que, na realidade, a estrutura “profunda” da ordem social permanece imutável, independentemente das modificações superficiais que sofrer e independentemente das pressões nela exercidas para a transformar.
Como nos diz Hirschman, este argumento da inanidade é apresentado epigraficamente pela expressão francesa do pós 1789 “Plus ça change plus c`est la même chose”e artisticamente bem representado no livro O Leopardo de Giuseppe di Lampedusa.
No O Leopardo, Dom Fabrizio ou o príncipe Salina, conversa com o seu jovem sobrinho Tancredi que, quando se inicia o romance, está preparar-se para sair da villa Salina, em Palermo, e ir combater com as forças de Garibaldi, pela causa da reunificação da Itália. Corria o ano de 1860 e, no Reino das Duas Sicílias, os liberais, seguidores do republicano Mazzini, e os absolutistas, fiéis seguidores do rei, confrontavam-se. O tio Salina admoesta Tancredi dizendo-lhe: “Um Falconeri deve estar connosco, ao lado do rei.” Ao que o rapaz responde: “Ao lado do Rei, sim, mas de que Rei? E continua “Se não estivermos com eles, impingem-nos uma república.” Para concluir com as famosas palavras ”Se querermos que tudo continue como está, é preciso mudar tudo. Percebeste?”
Como nos diz Hirschman, este argumento da inanidade é apresentado epigraficamente pela expressão francesa do pós 1789 “Plus ça change plus c`est la même chose”e artisticamente bem representado no livro O Leopardo de Giuseppe di Lampedusa.
No O Leopardo, Dom Fabrizio ou o príncipe Salina, conversa com o seu jovem sobrinho Tancredi que, quando se inicia o romance, está preparar-se para sair da villa Salina, em Palermo, e ir combater com as forças de Garibaldi, pela causa da reunificação da Itália. Corria o ano de 1860 e, no Reino das Duas Sicílias, os liberais, seguidores do republicano Mazzini, e os absolutistas, fiéis seguidores do rei, confrontavam-se. O tio Salina admoesta Tancredi dizendo-lhe: “Um Falconeri deve estar connosco, ao lado do rei.” Ao que o rapaz responde: “Ao lado do Rei, sim, mas de que Rei? E continua “Se não estivermos com eles, impingem-nos uma república.” Para concluir com as famosas palavras ”Se querermos que tudo continue como está, é preciso mudar tudo. Percebeste?”
E o aristocrata tio vai percebendo, ao longo do romance, que a morte de alguns jovens de ambas as facções é o preço a pagar para que a ordem social se volte a acomodar após aquele “estremecimento” que implicou, é certo, alguma movimentação social, com a ascensão de alguns burgueses ao poder, mas mantendo-se a estrutura de sempre. Pensa o príncipe.
Este paradoxo foi adoptado imediatamente por reformistas e por conservadores, quer os que manifestam desânimo pela inutilidade dos esforços aplicados para alterar um determinado estado de coisas na vida social e política, quer pelos que manifestam agrado pela manutenção de um estabelecido status quo, faça-se o que se fizer para o alterar.
Este argumento é insidioso, pelo que tem de instigador à inacção. Assim como assim, se nada muda na ordem social o melhor é poupar esforços e dedicar-me a outras actividades, e não pensar mais em reformas, industria-nos o argumento.
No que diz respeito ao tema Estado de Providência, o argumento de inanidade é profusamente utilizado por todos os que alegam que os recursos da assistência social não estão verdadeiramente a ser guiados para minorar a situação social dos pobres, mas a ser desviados para a classe que já possui mais recursos materiais, académicos e outros, já que esta ocupa o poder, e está na posse dos verdadeiros esquemas para atribuir a seu favor a ajuda destinada aos mais desvalidos, ficando estes na mesma situação de miséria como antes.
Diz-nos Hirschman que, em 1970, o economista Georg Stigler, num artigo enigmático intitulado “Director`s Law of Public Income” (“A lei de Director sobre a redistribuição dos dinheiros públicos”), alega que o seu colega universitário, de nome Director, terá concluído que as despesas publicas estão sobretudo ao serviço da classe média e não dos pobres, sendo que as taxas pagas por ricos e pobres eram orientadas sobretudo para financiar as acções a favor da classe média, como com a educação, com a saúde, com as reformas, etc. Stigler vai mais longe que Director, ele afiança que a proveniência fiscal desse dinheiro é sobretudo assente na transferência do que os mais pobres são obrigados a pagar, a favor da classe média que detém o poder e que selecciona o sistema fiscal que mais lhe convém, manobrando de forma a manter longe do sistema político os pobres, para que estes não tomem decisões que os favoreçam. Dá como exemplo o ensino universitário público na Califórnia que favorece sobretudo os filhos da classe média e alta, ou o pagamento das forças policiais que protegem sobretudo a propriedade dos que a possuem.
Este paradoxo foi adoptado imediatamente por reformistas e por conservadores, quer os que manifestam desânimo pela inutilidade dos esforços aplicados para alterar um determinado estado de coisas na vida social e política, quer pelos que manifestam agrado pela manutenção de um estabelecido status quo, faça-se o que se fizer para o alterar.
Este argumento é insidioso, pelo que tem de instigador à inacção. Assim como assim, se nada muda na ordem social o melhor é poupar esforços e dedicar-me a outras actividades, e não pensar mais em reformas, industria-nos o argumento.
No que diz respeito ao tema Estado de Providência, o argumento de inanidade é profusamente utilizado por todos os que alegam que os recursos da assistência social não estão verdadeiramente a ser guiados para minorar a situação social dos pobres, mas a ser desviados para a classe que já possui mais recursos materiais, académicos e outros, já que esta ocupa o poder, e está na posse dos verdadeiros esquemas para atribuir a seu favor a ajuda destinada aos mais desvalidos, ficando estes na mesma situação de miséria como antes.
Diz-nos Hirschman que, em 1970, o economista Georg Stigler, num artigo enigmático intitulado “Director`s Law of Public Income” (“A lei de Director sobre a redistribuição dos dinheiros públicos”), alega que o seu colega universitário, de nome Director, terá concluído que as despesas publicas estão sobretudo ao serviço da classe média e não dos pobres, sendo que as taxas pagas por ricos e pobres eram orientadas sobretudo para financiar as acções a favor da classe média, como com a educação, com a saúde, com as reformas, etc. Stigler vai mais longe que Director, ele afiança que a proveniência fiscal desse dinheiro é sobretudo assente na transferência do que os mais pobres são obrigados a pagar, a favor da classe média que detém o poder e que selecciona o sistema fiscal que mais lhe convém, manobrando de forma a manter longe do sistema político os pobres, para que estes não tomem decisões que os favoreçam. Dá como exemplo o ensino universitário público na Califórnia que favorece sobretudo os filhos da classe média e alta, ou o pagamento das forças policiais que protegem sobretudo a propriedade dos que a possuem.
Dos marxistas aos conservadores foi utilizado este mesmo argumento. Já que o que se ataca de um lado ou do outro é a ideia que defende a possibilidade de reformar o sistema capitalista, de molde a que este inclua uma vertente mais solidária e com um maior cuidado na redistribuição dos dinheiros pela sociedade, através de regulações das actividades económicas ou sociais.
Mais à esquerda, o Estado de providência é atacado porque se continua a temer os interesses ocultos do Estado burguês, sobre o qual se diz não favorecer nunca os pobres, sendo que os seus programas sociais só servem para travar o avanço da verdadeira revolução social que poria em ordem os abusos e as pilhagens do Estado capitalista.
Mais à direita ataca-se o estado social porque se acredita que o sistema capitalista tem a possibilidade de auto-equilibrar-se, sendo que quaisquer tentativas exteriores introduzidas para o regular não terão realmente êxito e só contribuirão para confundir e atrapalhar a ordem social. Isso mesmo foi avançado por autores que procuravam provar que o pagamento de subsídios de desemprego, por exemplo, eram motivadores do aumento de desempregados não entre os mais desfavorecidos, mas entre os indivíduos da classe média (argumento do efeito perverso) que dele beneficiavam maioritariamente por melhor dominarem as regras da assistência social (argumento da inanidade), já que os mais pobres não teriam tido acesso a empregos cujos patrões os tivessem inscrito de forma legal no sistema social, podendo posteriormente usufruir desse direito.
No argumento da inanidade, os críticos do Estado de providência parecem pôr-se do lado dos desfavorecidos, contra os parasitas do sistema, sem deixarem de procurar minar os fundamentos do Estado social. Porém, este argumento é cada vez mais encarado como tendo um papel de “desconcentração” na discussão pública do tema. E isso porque os governos têm procurado tornar mais rigorosa a selecção dos indivíduos a quem deve ser atribuída a assistência pública, de modo a evitar que pessoas que verdadeiramente não necessitam desse apoio entrem no sistema.
Por outro lado, pretender que nenhuma lei poderá afectar a acção humana porque só na aparência esta é passível de ser modificada, traduz não só o reforço de uma atitude desmoralizadora relativamente à hipótese de ser possível proceder a uma melhor distribuição da riqueza e do poder, como ao mesmo tempo põe exclusivamente em evidência a ideia de que o poder é de natureza hipócrita, porque agrava quotidianamente o fosso entre a teoria (distribuição crescente e continua da riqueza) e a prática (manutenção do estado de coisas tal como se passam há séculos).
Porém, o Estado de providência é ainda historicamente muito recente para se poder chegar a conclusões definitivas como o desejam os que defendem o argumento da inanidade, e depois, como acrescenta ainda Hirschman, o uso deste argumento implicaria a própria inanidade na acção de quem o profere. Se o sistema se auto regula per si, como dizem os conservadores, então nada do que façamos alterará essa ordem, mesmo os artigos ou acções que subscrevem. Se a revolução esperada não chegar, como dizem os marxistas, foi porque as reformas no sistema capitalista aparentemente satisfizeram as pessoas que não a procuram realizar no “amanhã que há-de vir”.
” (…) the appropriate metaphor (…) in that case the Nessus tunic of antiquity, which burns him who puts it on. In fact, through their denunciations of the gulf between announced policy objectives and reality, our conservative or radical critics are themselves busily weaving just such a garment.” (p. 80, RR)
Mais à direita ataca-se o estado social porque se acredita que o sistema capitalista tem a possibilidade de auto-equilibrar-se, sendo que quaisquer tentativas exteriores introduzidas para o regular não terão realmente êxito e só contribuirão para confundir e atrapalhar a ordem social. Isso mesmo foi avançado por autores que procuravam provar que o pagamento de subsídios de desemprego, por exemplo, eram motivadores do aumento de desempregados não entre os mais desfavorecidos, mas entre os indivíduos da classe média (argumento do efeito perverso) que dele beneficiavam maioritariamente por melhor dominarem as regras da assistência social (argumento da inanidade), já que os mais pobres não teriam tido acesso a empregos cujos patrões os tivessem inscrito de forma legal no sistema social, podendo posteriormente usufruir desse direito.
No argumento da inanidade, os críticos do Estado de providência parecem pôr-se do lado dos desfavorecidos, contra os parasitas do sistema, sem deixarem de procurar minar os fundamentos do Estado social. Porém, este argumento é cada vez mais encarado como tendo um papel de “desconcentração” na discussão pública do tema. E isso porque os governos têm procurado tornar mais rigorosa a selecção dos indivíduos a quem deve ser atribuída a assistência pública, de modo a evitar que pessoas que verdadeiramente não necessitam desse apoio entrem no sistema.
Por outro lado, pretender que nenhuma lei poderá afectar a acção humana porque só na aparência esta é passível de ser modificada, traduz não só o reforço de uma atitude desmoralizadora relativamente à hipótese de ser possível proceder a uma melhor distribuição da riqueza e do poder, como ao mesmo tempo põe exclusivamente em evidência a ideia de que o poder é de natureza hipócrita, porque agrava quotidianamente o fosso entre a teoria (distribuição crescente e continua da riqueza) e a prática (manutenção do estado de coisas tal como se passam há séculos).
Porém, o Estado de providência é ainda historicamente muito recente para se poder chegar a conclusões definitivas como o desejam os que defendem o argumento da inanidade, e depois, como acrescenta ainda Hirschman, o uso deste argumento implicaria a própria inanidade na acção de quem o profere. Se o sistema se auto regula per si, como dizem os conservadores, então nada do que façamos alterará essa ordem, mesmo os artigos ou acções que subscrevem. Se a revolução esperada não chegar, como dizem os marxistas, foi porque as reformas no sistema capitalista aparentemente satisfizeram as pessoas que não a procuram realizar no “amanhã que há-de vir”.
” (…) the appropriate metaphor (…) in that case the Nessus tunic of antiquity, which burns him who puts it on. In fact, through their denunciations of the gulf between announced policy objectives and reality, our conservative or radical critics are themselves busily weaving just such a garment.” (p. 80, RR)
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