Ouvi, no Domingo, o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, a recomendar, entre outros, a leitura do “pequeno” livro Lição, texto de Roland Barthes publicado em Paris em 1977, e escrito por ocasião da entrada do filósofo no Colégio de França.
Dizia o Ministro Luís Amado que esse livro o marcara pela compreensão que Barthes tivera do poder como fenómeno inscrito na língua, i.e., o poder como imposição do discurso. Gostei muito de ouvir falar um ministro nestes termos mais filosóficos. Pena não ter sido mais explorado o tema relativo à sua própria concepção de poder.
Escreveu Barthes:”A “inocência” moderna fala do poder como se ele fosse apenas um: de um lado os que o têm, do outro os que o não têm; pensámos que o poder era um assunto exemplarmente político; acreditamos agora que também é um objecto ideológico, que se insinua por todo o lado, por onde não é inteira e imediatamente captado, nas instituições, no ensino; mas, em suma, que é sempre um. E se todavia o poder fosse plural como os demónios? “O meu nome é Legião” poderia ele dizer; por toda a parte, de todos os lados, chefes, aparelhos, enormes ou minúsculos, grupos de opressão ou de pressão; por todo o lado vozes “autorizadas”, que se autorizam a impor o discurso de qualquer poder: o discurso da arrogância. É quando adivinhamos que o poder está presente nos mecanismos mais subtis da comunicação social: não apenas no Estado, nas Classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espectáculos, jogos, desportos, informações, nas relações familiares e privadas e até nas forças libertadoras que tentam contestá-lo; chamo discurso de poder a todo o discurso que engendra a culpa e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o ouve. Há pessoas que esperam de nós, intelectuais, nos agitemos em todas as ocasiões contra o Poder; mas a nossa verdadeira guerra é diferente e ocupa um outro espaço; a guerra é contra os poderes, e esse combate não é fácil; porque se o poder é plural no espaço social, também é perpétuo no tempo histórico: perseguido, debilitado aqui, reaparece além; nunca definha: façam uma revolução para o destruir e imediatamente renascerá, voltando a germinar no novo estado das coisas. A razão desta resistência e desta ubiquidade é devida ao facto de o poder ser o parasita de um organismo trans-social, ligado a toda a história do homem e não apenas à sua história política, histórica. O objecto em que o poder se inscreve é, desde sempre, a linguagem – ou para ser mais preciso, a sua expressão obrigatória: a língua”, p.p. 14-15.
Dizia o Ministro Luís Amado que esse livro o marcara pela compreensão que Barthes tivera do poder como fenómeno inscrito na língua, i.e., o poder como imposição do discurso. Gostei muito de ouvir falar um ministro nestes termos mais filosóficos. Pena não ter sido mais explorado o tema relativo à sua própria concepção de poder.
Escreveu Barthes:”A “inocência” moderna fala do poder como se ele fosse apenas um: de um lado os que o têm, do outro os que o não têm; pensámos que o poder era um assunto exemplarmente político; acreditamos agora que também é um objecto ideológico, que se insinua por todo o lado, por onde não é inteira e imediatamente captado, nas instituições, no ensino; mas, em suma, que é sempre um. E se todavia o poder fosse plural como os demónios? “O meu nome é Legião” poderia ele dizer; por toda a parte, de todos os lados, chefes, aparelhos, enormes ou minúsculos, grupos de opressão ou de pressão; por todo o lado vozes “autorizadas”, que se autorizam a impor o discurso de qualquer poder: o discurso da arrogância. É quando adivinhamos que o poder está presente nos mecanismos mais subtis da comunicação social: não apenas no Estado, nas Classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espectáculos, jogos, desportos, informações, nas relações familiares e privadas e até nas forças libertadoras que tentam contestá-lo; chamo discurso de poder a todo o discurso que engendra a culpa e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o ouve. Há pessoas que esperam de nós, intelectuais, nos agitemos em todas as ocasiões contra o Poder; mas a nossa verdadeira guerra é diferente e ocupa um outro espaço; a guerra é contra os poderes, e esse combate não é fácil; porque se o poder é plural no espaço social, também é perpétuo no tempo histórico: perseguido, debilitado aqui, reaparece além; nunca definha: façam uma revolução para o destruir e imediatamente renascerá, voltando a germinar no novo estado das coisas. A razão desta resistência e desta ubiquidade é devida ao facto de o poder ser o parasita de um organismo trans-social, ligado a toda a história do homem e não apenas à sua história política, histórica. O objecto em que o poder se inscreve é, desde sempre, a linguagem – ou para ser mais preciso, a sua expressão obrigatória: a língua”, p.p. 14-15.
Barthes, Roland, Lição, Lisboa, Edições 70, 1997. ISBN 9724409449
Falta-me agora o tempo, e a vontade para encontrar esse tempo, que deveria utilizar para contextualizar esta tese de Barthes, para falar da teoria que a subentende, o estruturalismo, para falar da Escola de Frankfurt que a confronta e de certo modo enquadra também, para dar a saber os avanços em teoria da comunicação que se estavam a alcançar, à época, nos EUA, para falar do pouco que sei sobre Gramsci, enfim. Falta-me também o tempo para falar de Apel e Habermas, os filósofos que, quanto a mim, melhor compreenderam o poder da linguagem, e falta-me a disposição para falar do melhor livro sobre a questão da legitimação do poder que eu conheço The legitimation of Power de David Beetham. Hei-de encontrar tempo e disposição para falar sobre tudo isto. Quando for o tempo.
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