terça-feira, novembro 14, 2006

Jurisdição Universal contra crimes de guerra

Reparo como a democracia, através de uma das suas instituições, no caso a jurídica, sabe gerir o seu processo de auto reparação.
Qual é a mensagem que se dá ao mundo não democrático com este caso Rumsfeld? Que em democracia os erros políticos que atentam contra os pressupostos básicos de uma sociedade de direito são vigiados e julgados a seu tempo. Não o serão todos, nem sempre, nem tão bem, nem de forma célere, mas é um sinal positivo para os povos descrentes ou revoltados.

Os realistas políticos dirão que é um sinal de fraqueza da idealista Europa? Ou dirão que a força não se deve sobrepor nunca ao direito, ainda que, no limite, tenha que existir para o garantir, como os europeus têm vindo a compreender e aceitar?

O problema é quando os povos sentem que não há lei, ou que há lei e ela não é aplicada, ou que há lei e ela é aplicada, mas mal aplicada. No falhanço da instituição jurídica segue-se o falhanço da democracia. Foi isso que Sócrates percebeu e procurou evitar, e que Platão descreveu e por isso procurou encontrar outro regime. Se a democracia se tornar injusta, e não houver mecanismos que reequilibrem este estado de coisas, começa a perigosa debandada ideológica.

3 comentários:

Anónimo disse...

Bem-haja pela reflexão. Fiquei felicíssimo com o sinal que constitui para o mundo democrático o caso Rumsfeld. Já não estou tão certo quanto à efectividade do que diz, quando diz: «Qual é a mensagem que se dá ao mundo não democrático com este caso Rumsfeld? Que em democracia os erros políticos que atentam contra os pressupostos básicos de uma sociedade de direito são vigiados e julgados a seu tempo. Não o serão todos, nem sempre, nem tão bem, nem de forma célere, mas é um sinal positivo para os povos descrentes ou revoltados.» Alguns celebrarão (mas não exactamente pelas mesmas razões que nós), outros ficarão perplexos (o que, no caso, ainda é o melhor cenário), outros, a maioria, nem saberão da coisa ou quem é o senhor. Pressupõem, na sua reflexão, que o csao será interpretado a partir dos mesmo pressupostos pelo mundo democrático e pelo mundo não democrático, o que é uma impossibilidade. Seria interessante agora propor uma reflexão de como, de forma eficaz e pacífica - e não só com este sinal ténue -, é possível criar condições de emergência de um estado de direito em países que não o têm!

Isabel Salema Morgado disse...

Comentário curto:

Há razões legítimas que nunca serão efectivadas por falta de um poder que as defenda, há poderes que se exercem às vezes sobre milhares de pessoas sem legitimidade, mas as democracias têm obrigação de ter um poder legítimo. Parece-me ser o que é exemplificado no caso Rumsfeld. O governante usou um ou não poder ilegítimo na sua acção política? Ir-se-á averiguar. É este exemplo que eu destaco como um sinal para o mundo democrático: A natureza, a finalidade e os objectivos dos crimes de praticados por governantes também são investigados. Que a recepção desse sinal possa ser completamente deturpada pelos interlocutores não democráticos, como diz e muito bem, parece-me ser um mal menor, desde que se prossiga a acção legitimamente no quadro das razões de direito e no quadro das razões político/filosóficas que fundamentam a democracia.

isabel

Isabel Salema Morgado disse...

Comentário longo (se tiver paciência)

Vai desculpar-me a debilidade em fundamentação jurídica da minha resposta (não tenho formação para tal) mas julgo que a democracia, como qualquer outro regime, ganha ou perde influência pelas ideias que defende e no que à escolha de valores que lhe diz respeito. E isso faz-se com a repetição e institucionalização de certas palavras e de certas acções que substanciam essas palavras. Se isso for (como me alertou, e bem) interpretado pelos não democráticos como um sinal de fraqueza, ou como sinal de que de algum modo a sua pressão sobre as democracias as faz recuar, isso é um problema de comunicação que teremos que resolver.
Que a democracia procura apresentar valores que pretende ver fundamentados de forma universal é um facto que nem os pensadores que defenderam a hipótese dessa fundamentação de valores consistir em mais uma meta-narrativa, conformada ao modelo ocidental, conseguiram enfraquecer. A prova está no modelo teórico e filosófico que os governantes mundialmente vão adoptando para legitimar as suas acções, a par da influência sobre os trabalhos da academia mundial de certos pensadores por contraposição a outros. É por isso que falar em liberdade, em justiça, em equidade, em igualdade, não são meras lucubrações, mas formas de actualizar, por acções que manifestam esses princípios, a democracia ao tempo.
Sem menosprezo para as posições que defendem que o papel fundamental para a constituição de um Estado de Direito será o da criação e implementação de mecanismos sociais/instituições fortes que validem a aplicação das leis já existentes em Estados fortes, eu continuo a julgar, numa linha hebermasiana de pensamento, que é na linguagem que o problema se continuará a pôr. Claro que não é por eu falar muito em democracia que a democracia se torna uma realidade, não será sequer pelo grau cada vez maior de legitimação que os valores democráticos vão ganhando (no quadro dos estudos que se vão fazendo em teoria da comunicação), que se fará melhor execução dessa discursividade, mas será pela garantia de que quando eu falo há nas minhas palavras a presença de uma realidade realizável, passível de ser cumprida, legitimada e fiscalizada. E isso prova-se na acção diária de quem governa, e na vigilância constante dos governados relativamente a essas provas. Que uso dão os governantes às suas palavras? Que falácias conseguem criar e empregar para obscurecer a realidade na forma do seu discurso e falsearem a própria realidade no conteúdo do que defendem? Que procedimentos públicos fazem prova dos seus discursos? Que testemunhos dão ao público da sua teoria?
Depois haverá um papel destinado às instituições internacionais já criadas, no respeito das leis internacionais já conhecidas(eu compreendo a frustração de quem as conhecendo por dentro as considera mastodônticas peças burocráticas, quando não refúgio de um modelo autoritário do poder de algumas potências, mas não aceito as provas redutoras da sua ineficácia). Não se impõe a democracia a nenhum Estado, alimenta-se a opinião pública com modelos, exemplos e teorias democráticas, por todos os meios legais possíveis, para que ela crie a sua necessidade de democracia. Divulga-se os méritos, dá-se apoio técnico à sua implementação em países não democráticos, quando pedido, e depois cada país que faça o seu caminho para um Estado democrático forte. Liberdade total de acção, compromissso total com as consequências de uma fiscalização internacional efectiva e com poderes.

Falo destes assuntos de uma forma um bocado despachada que lhe peço que não confunda com uma forma leviana.
isabel