quinta-feira, março 29, 2007

O jogo do sabichão e a ideologia nacionalista



O meu filho quis brincar com o jogo do "Sabichão" editado pela Majora, o mesmo com que o seu pai brincara quando menino pequeno. Eu lia-lhe as perguntas e depois ficávamos a ver o bonequinho rodopiando a encontrar a resposta certa. Um dos temas com perguntas e respostas para o Sabichão é o de Corografia de Portugal. E como é que se descrevia então Portugal nos fins dos anos sessenta, princípios de setenta? Vou listar as perguntas que então eram feitas:
1. Que província ultramarina temos na China?
2. Que província ultramarina temos na Oceânia?
3. Qual o ponto cardeal da Europa em que fica Portugal?
4. Que ponto cardeal nos fica à esquerda, se nos voltarmos a Sul?
5. O Douro fica ao norte ou ao sul do Tejo?
6. A Beira Alta fica ao norte ou ao sul do Douro?
7. A que província pertence o distrito de Portalegre?
8. A que província pertence o distrito do Porto?
9. Qual é o maior rio que nasce em Portugal?
10. Qual é o rio que desagua próximo de Setúbal?
11. Qual é a serra portuguesa que tem quase 2.000 m de altitude?
12. Qual é a maior serra do Algarve?
13. A que arquipélago pertence a ilha de S. Miguel?
14. A que arquipélago pertence a ilha de S. Nicolau?
15. Qual é maior: Angola ou Moçambique?
16. Qual é a província ultramarina portuguesa que fica na costa oriental da África?


Imagine-se uma criança a quem perguntavam se o Douro ficava a norte ou a sul do Tejo com a mesma naturalidade com que lhe perguntavam qual era a província que tínhamos na China, na Oceânia, ou na Costa oriental de África, e para quem era igual saber que Portugal tinha uma ilha de S. Miguel pertencente ao arquipélago dos Açores tanto quanto tinha uma ilha de São Nicolau a pertencer ao arquipélago de Cabo Verde. Esta naturalidade de se saber a viver no império, mesmo se preso pelo cano de uma arma, mesmo se sob uma prepotência, dá uma imagem do país e da pessoa (mesmo que seja como na história do sapo que incha para se parecer com o boi) absolutamente extraordinária. A interiorização da ideia de senhores de um império, de entender a radicalidade do nosso governante ao contrariar as directivas internacionais que nos pressionavam para descolonizarmos como um feito heróico, de todos compreendermos que nele estava concentrada uma ideia e uma acção para Portugal que mais ninguém protagonizou (e felizmente para Portugal, porque uma democracia caracteriza-se precisamente pela pulverização de projectos e de acções que se devem apresentar a plebiscito, relativizando as marcas do absolutismo), marcou, como era suposto que marcasse profundamente, o imaginário colectivo coevo. Um ditador não o é só pelas circunstâncias sociais e históricas, nem, sobretudo, permanece como ditador por demérito de um povo pouco lutador, é-o pelo mérito de saber impor a sua paixão sobre a dos outros, de fazer da sua paixão a paixão que os outros sentem sua. Quem é que pode, na democracia, cruzar espadas com Salazar? Quem tem para oferecer décadas de orientação ideológica sob a nação, numa travessa de porcelana azul-cobalto chinesa?



A imagem da travessa foi retirada do site do Centro cultural de Macau

3 comentários:

Anónimo disse...

Este post fez-me rebuscar esse jogo de outras memórias guardadas na infância... é deveras interessante verificar com o que, há não mais de 30 anos, os meninos de então, se entretinham entre si... Lembro-me de brincar com os meus dois irmãos até à exaustão, de tal modo que nos demos ao prazer de inventar novas folhas (que ainda encontrei na caixa de outrora), com outras perguntas mais viradas à matemática; expressões numéricas, tabuadas, divisões, cálculo mental...Como nos divertíamos nas tardes de domingo!
Recordo também,de mais tarde aproveitar este jogo para algumas aulas de História, principalmente, e de inventar outras questões...as risadas que os alunos davam porque o sabichão nunca falhava uma!
Entremos hoje numa sala de 12º ano e pergunte-se: "Que rei aboliu a pena de morte em Portugal?" E espantemo-nos com as respostas!
Já agora sabiam que:
Portugal foi o primeiro país do Mundo a abolir a escravatura;

Portugal foi o primeiro país europeu a abolir a pena de morte;

Portugal foi o primeiro país da Europa a ter uma escolaridade mínima obrigatória;

Que nos terá acontecido, entretanto?

A que estado chegámos!
Recomendo o post
"Lafforgue, ou o aquecimento global do eduquês" no blog http://dererummundi.blogspot.com/
Vale a pena ler, também, os comentários...
Está na hora de um aprofundamento muito sério sobre o estado da Educação em Portugal! O desaire é deveras assustador... Basta entrarmos numa sala de 7º, 8º ... 9º ano...( e quiçá noutros anos até à escolaridade obrigatória) e assistir ao desinteresse globalizado pelo SABER! Escapam pequenas forças que ainda teimam em fazer da Educação e do Ensino um rumo ao Futuro.

Isabel Salema Morgado disse...

Teresa,
Ouviste a entrevista a António Barreto? Reteste o que foi dito sobre a Educação? É um país demasiado preocupado com as estatísticas e menos com a formação científica e humanista dos seus alunos. É um país para "Bruxelas ver".

Anónimo disse...

Triste visão se está a mostrar... Não demorará muito a que a farsa se descubra!
Em Bruxelas ficará a fama, em Portugal a realidade e o proveito.

Não me parece que se aguente por muito mais este estado de pseudo-sabichões que ao contrário do Sabichão, não acertam uma!

Já antevia Pessoa:

"Perdido resta o derradeiro inferno
Do tédio intérmino, esse de já não
Nem aspirar a ter aspiração".