segunda-feira, março 26, 2007

Ríctus de poder 1

Fiquei a saber que os portugueses que votaram no concurso dos Grandes Portugueses escolheram maioritariamente Salazar. Serão velhinhos nostálgicos da velha ordem, ou jovens à procura de desordem? Os números de telefone não têm idade. E as explicações racionais de defesa só as que publicamente fez o Prof. Nogueira Pinto em espaço e tempo próprio, já que dos votantes pouco se sabe. Há que saber? As decisões deste teor ficam com cada um que as faz, era só o que faltava, agora, é que um concurso de televisão vinculasse o povo português a uma escolha sobre uma personagem do seu passado paroquial. Do imaginário de cada um responda cada um. Já da opção política por uma pessoa ou um partido de estrema direita, respondemos todos. Mas também…a quem interessa a política em Portugal? A 26% dos seus eleitores. Bem nos podemos continuar a ralar.

Já a escolha do nosso Presidente da República em não convidar o ex. Presidente Mário Soares para a cerimónia de celebração dos 50 anos sobre o Tratado de Roma, tal qual ouvi nos noticiários, me pareceu do mais mesquinho ricto que Cavaco Silva teve como presidente. É este tipo de mediocridade nas acções e nas ideias dos nossos políticos que arrasta Portugal para a desonra. Pessoas muito mal-educadas, que se acotovelam para fazer ouvir os argumentos que não têm, que enchem o peito ao pensar na vingançazinha que hão-de fazer sofrer por penas imaginárias ou reais, e se acocoram à voz do dono, é que são uma lástima para Portugal. De um Presidente da República não esperava tal.


Li que o nosso Primeiro-ministro terá partido para “um exercício de humilhação” sobre o deputado socialista Ricardo Gonçalves por este se lhe opor frequentemente. Não conheço pessoalmente nenhum dos envolvidos, não estive presente, não testemunhei. Mas acredito na fonte do jornal Expresso (24-3-2007, p. 10). E este ricto de poder é frequente em todos os que se sentem imbuídos de uma ideia messiânica de si que não permite discussões, ou críticas ou reticências. Todos sabemos que uma democracia é o regime que mais trabalho dá aos seus governantes, porque estes ao mandarem têm que esclarecer, justificar e aguardar pela adesão. Não é fácil, deve ser frustante muitas das vezes, e deve dar uma grande vontade de passar a intitular-se um déspota iluminado, assim não há resistências nem oposições.
Compreendo que quem tem de si uma imagem de vencedor e intrépido líder não terá paciência para os “ses” e os “mas” que certos indivíduos pensantes, teimosos ou azémolas esvoaçantes teimam em fazer ouvir, como se fizessem perder um tempo precioso para o tempo da governação. É muito melhor calarem-se todos para que possam fazer conjunto harmonioso, e sairem sempre vitoriosos e não passarem à oposição, nunca. Não pela qualidade das medidas, não pela força dos projectos, mas pela coesão à volta do chefe dos “sim, senhor Primeiro-ministro”, pela aparência de união. Pela estupidez que dita a moda falsa da ideia que é muito citada por aí, falsa e frase mal pensada, que “à mulher de César não basta sê-lo há que parecê-lo”, para deixar cair convenientemente o "sê-lo# e só ficarmos com o que parecemos, onde mitigamos vaidades e fome de atenção.
Já vi pessoas a serem objecto de exercícios de humilhação por indivíduos sem escrúpulos que hoje ocupam alguns cargos de poder. Autênticos momentos de abjecção, embora, pelo que leio na história, feita por aprendizes em canalhice das relações humanas. Nunca vi os humilhados a enfrentarem-nos, não sei se por não se terem apercebido ou se por estupefacção ou se por educação. E se calhar, se fosse possível, ainda telefonariam a dizer que gostavam de eleger essas pessoas como outros grandes portugueses do futuro.

4 comentários:

Anónimo disse...

"Há uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação - a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. De instinto, a humanidade odeia a verdade, porque sabe, com o mesmo instinto, que não há verdade, ou que a verdade é inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o incarnar. Feito isso, por cada um de nós independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros, como nós, o respirem. Então se dará na alma da nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião." - Fernando Pessoa, in 'Resposta do Inquérito «Portugal, Vasto Império»'

Em relação a este concurso,parece-me que a maioria dos votantes terá sido de jovens com menos de 30 anos, já que a votação via net exigia o preenchimento de um mini questionário... pelo menos foi o que ouvi na rádio.
Eu, pessoalmente não participei nesta eleição...não me interessou!E, como eu, muitos...

Para mim,Grandes Portugueses são aqueles que,
lutadores, continuam a remar contra a maré,
asfixiados,continuam a apertar o cinto, já sem buracos...,e alguns já sem cintura,
que,
teimosamente,continuam a mandar os filhos à escola (mesmo que a Km de horas de distancia...)(Até o Salazar, que era quem era, mandou construir uma escolinha em cada aldeia...)
que,
desesperados, continuam a esperar meses por uma consulta no SNS e, quiçá anos por uma operação,
confiantes,continuam a gerar o futuro de um país, nem que tenha de ser em Espanha, porque as urgências do seu concelho foram encerradas à socapa!

Pobres, Grandes Portugueses! Que ainda acreditam em mitos e redentores!
Que ainda não descobriram em si a força da sua vontade e teimosia!

A propósito, recordo algumas máximas salazaristas que, ainda hoje, estão bastante actuais na nossa vida politica:

"Instrução aos mais capazes, lugar aos mais competentes, trabalho a todos, eis o essencial."
"Em política, o que parece é."
"Se soubesses o que custa mandar, gostarias mais de obedecer toda a vida."

Ainda se admiram de Salazar ter ganho o concurso?
Eu até acho divertido!

Que diferenças encontrarão as nossas gentes entre o antes e o agora que cada vez mais se me parece retrocesso a outras eras?
De que nos vale sermos livres de dizer, se isso de nada vale para mudar a realidade que nos é imposta?

Oportuno este resultado para que nos alheemos do que na realidade nos está a abafar!

Que oportunas estas páginas e horas de divagações sobre o mito sebastianista ou salazarista ou quiçá cunhalista...

Pobres de nós, Grandes Portugueses!

Isabel Salema Morgado disse...

Mas Teresa, a votação final só podia ser feita por telefone. E corroboro o teu lamneto.

Júlio Pêgo disse...

Fazer um concurso deste género, através da TV e por chamadas telefónicas,faz parte do "espectáculo" importado(como o Big Brother, etc.).Só que neste caso de escolha "do grande português" a confusão política fica instalada... Quem verdadeiramente ganha? - Quem é responsável pelo programa ... quem recebe os "cachet" por participar, Pt+Tmn+Vodafone+Optimus(...),audiências,Publicidade.Igualmente lucram os "velhos do Restelo", os descontentes com a Democracia que ainda sonham Salazar. Concursos deste género, aproveitando a História para a mistificação política são indesejáveis e nefastos. Basta de Sebastiões ou Salazares que conduziram Portugal à ruína, ao naufrágio e á miséria. Basta de alimentarmos o pior do sentir português: a procura dum Salvador exterior a nós!
Júlio Pêgo

Isabel Salema Morgado disse...

"(...) neste caso de escolha "do grande português" a confusão política fica instalada... Quem verdadeiramente ganha? - Quem é responsável pelo programa ... quem recebe os "cachet" por participar, Pt+Tmn+Vodafone+Optimus(...),audiências,Publicidade.Igualmente lucram os "velhos do Restelo", os descontentes com a Democracia que ainda sonham Salazar."
Pois, boa questão.