quarta-feira, março 21, 2007

Vil tristeza ou engenho e arte? 2


Não querendo deixar de te responder, Teresa, sobre a questão de como se poderá explicar, ou defender, a tese de termos um povo que poderá ser declarado como razoável ao mesmo tempo que temos tido governantes muito assim-assim quanto à visão e à sua concretização na prática, e não tendo tempo, nem saber, agora, para o fazer, deixo-te com esta observação de António José Saraiva a quem mais tarde voltarei para pensar esta questão da cultura portuguesa, cruzando-o então com o livro de José Gil, Portugal , hoje: o medo de existir (com o qual não concordo por aí além e que eu questiono na fundamentação). Irei então, como já escrevi, tentar alinhar mais tarde umas ideias para esta discussão.


Diz-nos então Saraiva experimentando definir o carácter português e a sua crença de que este era incompatível com o tipo de ordem de um socialismo marxista, modelo de oposição dominante à época em Portugal, para não dizer que era modelo exclusivo: “E julgo, por outro lado, que a nossa debilidade económica e institucional, a nossa propensão a dividir-nos em bandos irredutíveis, o nosso carácter improvisador e messiânico, a nossa mitomania (que são constantes nossas através de várias estruturas sociais), e também a nossa apatia, que de vez em quando desperta em labaredas de papel (vide caso Delgado e o que se seguiu) tornam arriscado e de desfecho imprevisível um processo de desintegração anárquica, embora ideologicamente orientado por uma reintegração em melhor estrutura. É uma lotaria em que há pelo menos 50% de probabilidades de perder”, p.p. 285-286.

Ora a carta foi escrita em Janeiro de 1970 e António J. Saraiva previa que a solução para Portugal não seria a da economia planificada ou de uma ideologia social marxista, mas também não via, ou apresentava, outra solução. Parece que os intelectuais portugueses só bebiam água, e a davam a beber, de duas fontes: a que provinha da ideologia do Estado Novo ou da ideologia comunista, ficando uns quantos sem saber onde pensar novas propostas. Mas não sabiam pensar para além destes modelos? Ninguém conseguia ter ideias para lá destes dois paradigmas, e propor uma solução democrática, universalista, ainda que própria a Portugal? Parece que em Portugal primeiro faz-se (no caso a revolução para resolver questões do foro prático-militar) e depois pensa-se (Mário Soares sai realmente da Alameda com um projecto exequível de uma terceira via política para Portugal, mas, que eu saiba, não é um pensador programático). Por isso, onde estavam os teóricos portugueses e que ideias estavam a produzir? Calados, confusos, incrédulos, desconhecedores ou engajados, porventura. Um dia terei que estudar isto melhor.


A imagem aqui reproduzida é do quadro "Jogo de damas" de Abel Manta.

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