segunda-feira, março 19, 2007

Vil tristeza ou engenho e arte?

Eis-me aqui, Teresa, numa tentativa de responder a algumas das tuas questões, nomeadamente sobre a que perguntava sobre a relação entre a cultura e o povo. Lembrava-me que António José Saraiva tinha trabalhado este assunto. Fiquei a sabê-lo após a leitura do livro que dá conta da troca de correspondência entre ele e Óscar Lopes. Sei por experiência que não gosto nada das interpretações dos comportamentos dos povos baseados nos estudos da cultura. Começo logo a ver a pena da arrogância nacionalista ou a da comiseração do sábio. Mas reconheço o mérito de alguns investigadores que, como Levi-Strauss ou Margaret Mead, procuraram identificar comportamentos assinalando a sua singularidade. É verdade que é deles que nos chegam relatos de povos coevos para os quais estaríamos cegos. Lembro-me de um livro oferecido na adolescência de Óscar Lewis, Os filhos de Sánchez. Neste exponha Lewis com rigor e cuidado a vida de uma família mexicana até transformar num registo diarista a sua existência na terra e me ter posto ao nível do seu olhar. Um modelo diferente de se aproximar dos povos e de dar a conhecê-los. No livro fica-se a saber que a vontade de mudar de vida não é feita só de ambição e de vontade, mas do conhecimento de que há outras vidas para as quais se pode mudar, ao contrário do que se espera quando se pensa: “Se eu sou verme, aquele há-de ser piolho”, p. 325.
O que quer dizer que mais do que afirmar a existência de um modelo de vida escolhido, povos há, culturas há, em que rapidamente o condicionamento provocado pelo modelo no qual se nasce por acaso, rapidamente se transformará em determinação da existência se porventura houver ausência de comparação ou de real possibilidade de opção.

O que respondeu Saraiva sobre os portugueses e o seu universalismo? Que não sabe se são possuidores de um génio universalista ou se não o são de todo, como ninguém o sabe, realmente, e que afirmar uma ou outra destas duas coisas, contraditórias, torna o caso português um fenómeno para estudo da produção de mitos, sendo que esta atitude obscurece a explicação e não empreende o esforço de compreender a inteligibilidade da sociedade portuguesa, pois não utiliza a palavra, o raciocínio e o espírito critico para se conhecer, limita-se a proferir meia dúzia de epítetos sem fundamento ou validação sobre a natureza do português.

Eu penso nos exemplos dados por Amyra Sen sobre os povos e as suas realizações (no caso da Irlanda, do Japão, da Coreia do Sul, etc.) que dependeram da acção e da previsão dos seus governantes, mais do que de qualquer característica sociológica de um povo ou da sua natureza cultural específica. O que realmente nos remete para a ideia que o que falta a Portugal não é o seu povo, mas a qualidade dos seus governantes. Os quais não são o mesmo que líderes. Mas haverá aqui que precisar melhor.

1 comentário:

Anónimo disse...

E que se passa neste povo de onde não parecem emergir governantes capazes de o ser e de serem reconhecidos como capazes de tal?
Ou será que os realmente capazes se ocultam na sombra da ânsia de poder de uns outros, e aí permanecem com receio de se tornarem uma real possibilidade de opção?