quinta-feira, maio 31, 2007

As instituições e o doce poder da compaixão

Ser membro de uma instituição que nos acolhe quando estamos em sofrimento deve representar o mesmo que o trigo sobre a terra para um esfomeado. Penso hoje nos sindicatos e na igreja católica, porque pensei ontem nos que fizeram greve e naqueles que, como os pais da menina desaparecida, foram ontem recebidos pelo Papa.
Os sindicatos, mesmo para quem nunca confiou o seu destino laboral a nenhum sindicato, têm na sua história uma bela história de compaixão social, de reconhecimento do poder da união dos indivíduos para equilibrarem a arbitrariedade ou o abuso do poder que pode ser o do empregador. Há no sindicalismo o respeito pelo dinheiro e pelo tempo que caberá ao um de cada um, no quadro de princípios gerais dos sistemas sociais de ideologia solidária. O sindicalismo português centralizado, muito dele fazendo-se representar em grandes grupos de intervenção socio-profissional ligados à ideologia/autoridade partidária, tornaram-se os braços político/partidários que procuram fazer a ponte entre um partido, travestido, nas suas preocupações sociais e laborais, em sindicato, com os trabalhadores de uma nação.

Os trabalhadores sabem que há mais interesses num sindicato que os interesses que o sindicato socialmente diz ter. Não vê os seus membros a pelejarem no dia-a-dia no seu local de trabalho ao lado dos seus colegas, por uma maior dignidade e exigência no respeito pelos seus direitos logo que cumpridos os seus deveres, vê apenas os dirigentes sindicais que se perpetuam nos lugares a repetirem até à náusea os mesmos discursos ideológicos, a carecerem de uma fundamentação teórica. Daí que o respeito com que toda a greve merece ser tratada, como um sintoma de que algo precisa de ser compreendido, não o estando a ser, tivesse resultado numa charada de números que a ninguém apazigua a dúvida.

A igreja, mesmo para quem nada tendo contra ela também não milita nas suas fileiras, tem na sua história uma bela história de compaixão pessoal. E se porvertura alguém em sofrimento vê o líder da sua comunidade compreender que o tem de chamar a si, um membro, para lhe apaziguar a dor, deve achar tal acto comovente. Eu acho.
Não considero correcto falar aqui nas milhares de pessoas em sofrimento no mundo que nunca foram recebidas pelo Papa. Talvez seja uma estratégia publicitária por parte da igreja, mas sendo assim os pais de Madeleine merecem receber os frutos públicos de uma pública mediatização da sua fé. Uma mão lavou a outra. Não me perturba esse reconhecimento entre membros que se compadecem na sua irmandade.
O que me perturba é querermos colar o sofrimento real de todas as muitas crianças desaparecidas para menorizar o sofrimento, ou o interesse por ele, da Madeleine desaparecida. Nenhuma criança é mais importante que nenhuma outra, mas nenhum grupo de crianças é mais importante que uma só criança. Estas escolhas não se fazem, não se põem como hipótese, não servem como argumento. Cada uma é a vida toda e o mundo todo e todos nós. Ainda bem que Madeleine tem esta atenção. Se for para bem dela.
E há outras realidades que a razão, só por si, não apreenderá. Acredito que sim. Não sei, mas acredito que é possível que haja.

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