segunda-feira, outubro 29, 2007

Plano nacional de leitura?

Ofereceram um livro de leitura, recomendado pelo Plano Nacional de leitura, à minha criança. Por experiência conheço bem o reduzido préstimo de planificações que servem para pouco mais que descansar consciências. As Escolas deste país estão cheias de planificações. São actos quase sempre burocráticos para cumprir objectivos de secretaria. Ainda se fossem planos de acção como: vamos lá pôr os alunos em contacto com os livros de todos os tamanhos e feitios, dar-lhes professores que saibam mediar entre o livro e o suscitar do interesse pelo livro, e depois acreditar que desse contacto nasça a sua capacidade de escolher o que lhes interessa ler.
Mas não, são planos com livros recomendados. Que irritação, o tom recomendado. Os livros não se recomendam a não ser por obrigação, numa disciplina necessária mas em contexto académico, já numa aprendizagem da leitura, os livros, se for o caso de um plano nacional de leitura, quanto muito, partilham-se, que aos demais descobrimo-los por acaso, com espanto pela sorte de o descobrirmos.

Li o recomendado livro Três Histórias do Futuro de Luísa Ducla Soares. E de repente vi-me num universo linguístico de grande excelência, com palavras escritas na perfeição e no entanto o livro…não tinha um grama de interesse. Nenhuma história encantou a leitora ou o ouvinte da história, o mais importante. Cumpriu-se com sacrifício o ritual de terminar a história e com um suspiro o acto de o guardar na prateleira.

Mas não é só da literatura portuguesa para crianças, que dó, que se alimenta o inferno das boas intenções, pois o livro de Gabril Garcia Marques O feliz verão da senhora Forbes é outro exemplo da loucura com dom desnorteado que pode afectar um escritor ao escrever para crianças. O livro é quase todo um conto soberbo sobre a vida de dois rapazinhos de férias grandes numa praia. A certa altura eles começam a viver até ao desespero uma relação de ódio com a preceptora que lhes surgira, a meio termo, como agente de castração dessa grandiosa liberdade inicial que marcava as suas existências. O pior é o término da história, as palavras que são contadas para descrever esse fim são desavindas num imaginário infantil. Como eu o penso, pelo menos.


Deve ter sido por ter lido três livros de seguida a falarem sobre livros que estavam na origem dos acontecimentos narrados, e se tornaram livros orientadores de acção das personagens, multiplicando os seus efeitos performativos, que senti vontade de escrever sobre a questão dos livros e da educação.

Três romances seguidos nos últimos meses: um bestseller do qual não gostei quase nada de Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento, que apesar de ter um belo tema entre mãos o deixou mastigar num discurso por vezes sem graça, e assim contou a história de um rapazinho que durante um ritual de iniciação ao amor por um daqueles livros já esquecidos, abandonados em armazém, torna esse livro e a vida do seu autor o centro da sua própria vida (uma bela capa); um outro livro mais bem escrito que o anterior mas com personagens que não chegaram nunca a convencer-me do seu profundo interesse em seguir-lhes quer as vidas domésticas quer o seu trágico desenlace existencial, provocado por uma traição familiar consagrada na entrega de um livro proibido ao Santo Ofício incriminado assim os seus proprietários que irão ser submetidos à maldade de uma ordem religiosa inquisitória, que buscava a redenção dos que considerava pecadores em espírito, como os judeus, na humilhação, na dor e morte sistematicamente infligidos. Tudo isto no livro Goa ou o Guardião da Aurora de Richard Zimler; o terceiro livro, o enigmático A Vida Nova de Orhan Pamuk, deixou-me sem possibilidades de dizer se gosto ou não gosto. Não sei se gosto do Vida Nova. Ainda não me decidi. Gosto muito da escrita, do tema, mas…
O mais fascinante em Pamuk, como nos grandes escritores, é que a sua nacionalidade tem por morada a humanidade. Não é um escritor turco a falar de problemas de pessoas turcos, é um escritor turco a falar de problemas das pessoas turcas cujos problemas são os da existência de qualquer pessoa. É certo que os turcos podem usar a muleta de “todos os nossos problemas nascem a ocidente” que os ocidentais não têm, mas ao invés estes podem procurar outros bodes igualmente expiatórios das suas existências sociais e políticas acanhadas demais para os sonhos de cada um. Se por sermos ocidentais não podemos dizer que a causa dos nossos problemas são os ocidentais, podemos dizer que a razão estará na existência de comunistas, ou de capitalistas, ou de religiosos, ou de ateus, ou dos homens ou de mulheres, ou dos políticos ou dos apolíticos. Enfim.
Hei-de voltar a escrever sobre o Vida Nova.


Entrei na pequena livraria da pequena cidade. Por todo o lado cartazes a anunciarem os livros de Miguel Sousa Tavares e de José Rodrigues dos Santos. Perguntei à competente vendedora: “Então, nem um livro de Doris Lessing na montra?” Explicou-me que as pequenas editoras que a publicam não estavam a disponibilizar as suas obras porque não estavam preparadas para o fazer rapidamente.
Pequenas editoras? A editora livros do Brasil, por exemplo, publicou as grandes obras da literatura anglo-saxónica das primeiras décadas do século XX, tem também obras de referência alemãs e francesas!
Pode-se questionar a qualidade das traduções, eu não questiono mas eu não sei nada sobre isso, mas não a qualidade dos editados. Mas aí fui interrompida: “As capas, sabe. As capas não vendem. Aquele grafismo antigo não convence ninguém.”

Refilei - "Há editoras francesas e ingleses que não mudam de grafismo das capas desde sempre, e vendem.”

Bom, concluí, em Portugal as capas das Edições do Brasil não vendem.

Ainda pensei para que raio se quer mais a uma capa que a um conteúdo de um livro. Mas eu não sou exemplo para ninguém no que a apresentação de trabalhos diz respeito.

Sai da livraria com a biografia de Churchill por Martin Gilbert debaixo do braço. Na realidade comprei-a para completar um fresco de biografias de políticos do princípio do século XX a que tenho dado atenção, sem qualquer lastro de afectividade por esta personalidade, como aliás acontecera com as escolhas de biografias de todos os outros já lidos (Lenine, Estaline, Mao).

A páginas tantas leio: “As canções escolares que Churchill cantou no Dia da Distribuição de prémios animaram-lhe o espírito. “O vibrante patriotismo que estes versos evocavam”, escreveu mais tarde o seu filho Randolph, “permaneceu com ele para sempre, e foi a mola principal da sua conduta política.” p. 36

Diz-me o que andaste a ler dir-te-emos que político serás?
Já tinha percebido este fenómeno da influência das leituras nas vidas práticas dos outros biografados. Não pode ser coincidência, isto dos livros a marcarem futuros.

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