Seguimos de perto as nossas ideias, diz-nos Delpech. Uns mais que os outros, penso eu, porque nisto de se seguir ideias também hão-de perceber-se níveis diferentes de vontade ou de poder de concretização. A compreensão da questão da vontade excede em muitos casos a mera enunciação de obstáculos ou de incentivos externos para a formação da mesma, porque a vontade resulta de uma combinação de estados mentais internos e de condições fisiológicas e histórica-sociais cuja fórmula de mediação eu desconheço. Mas já o poder de concretização de ideias resulta muito mais dos atributos sociais que cada indivíduo ou grupo consegue reclamar para si, e que todos podemos enunciar: pelo dinheiro, pela força bruta que é capaz de evocar, pelo enquadramento num partido político ou em outra instituição social, militar ou religiosa que acomode e oriente o indivíduo atribuindo-lhe um certo ascendente no percurso para o uso do poder, pelo estatuto social do nome que criou numa determinada área pela sua obra pessoal ou que terá herdado da família, pela capacidade de se relacionar e de reunir à sua volta as pessoas que contribuirão para o encaminhar ou o incentivar à realização dessas ideias, pela competência em convencer ou persuadir outrem a acreditar em si e nas suas intenções. São factores que podem ser enunciados como catalizadores da capacidade de seguir ideias, e tudo isto, no que a grandes decisões de política diz respeito, não faz parte da história individual da imensa maioria de indivíduos no mundo.
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Quer dizer que no campo do poder político há uma minoria que tem a quase ilimitada possibilidade de seguir as suas ideias e depois, se o fizer de forma democraticamente legitima, porque até pode não ser o caso, e se convencer os outros a autorizarem-no a seguir essas mesmas ideias pode fazê-lo enquanto a vontade popular e a constituição do país lhe permitir orientar a acção pública. Mas será que as ideias vêm exclusivamente do governante? Ou será dos seus conselheiros? Mas se este fosse o círculo exclusivo da produção de ideias, viver-se-ia sob a pressão vertical do pensamento do governante sobre o dos governados. Como se só a ele ou aos do seu meio e que com ele se relacionam coubesse pensar o mundo e a sua ordem. Ora isso não acontece assim. As ideias não se vaporizam a partir do alto para as bases esvaziadas, ou pelo menos não exclusivamente e sobretudo, não as dos governantes que na sua grande maioria as vão buscar ou às estruturas ideológicas estruturais dos seus programas partidários ou aos pensadores que admitem mais próximos da sua forma de pensar ou, sobretudo, às modas discursivas conjecturais: ao ar do tempo da civilização que melhor souber expandir-se através de todos os canais de comunicação. Outros têm as ideias do tamanho do seu próprio ego e produzidas pela ideia de satisfação e interesse pessoal, confundindo os povos com a etiqueta de desígnio nacional.
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Mas então de onde vêm essas ideias? E como se formam? E como fazem mudar os comportamentos para se coordenar com o ideal que se teve para enquadrar esse comportamento? Para respondermos a isto teremos que ir pela teoria das elites (e não é uma teoria inquestionável, logo há que definir o que se entende por elites e qual a sua origem, natureza e finalidade) e pela teoria das influências (no entanto há críticas e revisões à teoria clássica sobre os líderes de opinião, e estas têm que ser contempladas na definição do conceito "influentes"). Mas Delpech não se detém com estas interrogações. A autora preocupa-se, é claro, em explicar as fontes das ideias correntes, mas generaliza nas noções de mudança de representação do tempo que herdamos com a modernidade, com o novo tipo de psicologia do homem ansioso e apressado moderno.
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Delpech coloca-se na perspectiva do observador que procura estar atento às ideias que contam no nosso tempo e que tenderão a provocar a acção correspondente, e enuncia-as. Eu não sei se as vou conseguir enumerar a todas, mas sintetizei-as com a seguinte ordem:1. "(...) os grandes projectos e as ideologias suscitam mais desconfiança do que entusiasmo." (p.130); 2. Memória curta em relação ao passado e personalidades sem motivação para se sentirem responsáveis perante os acontecimentos que ocorrem no presente ou sobre os que hão-de vir no futuro (p.130); 3. Ausência de uma batalha clara de ideias que congreguem os indivíduos à volta de valores como os da ideia de liberdade na história ou um projecto político radical para acabar com a fome no mundo, entre outros (pp.138-139); 4. Descrença nos valores ocidentais (p. 139); 5. Controlo/Descontrolo da tecnologia e das armas a ela associada (p.149); 6. "Regresso dos grandes medos medievais no início do século XXI, quer se trate das catástrofes naturais, quer das grandes pandemias." (p.166); 7. "Os membros permanentes do Conselho de Segurança continuam a colocar os seus interesses nacionais acima dos da paz e da segurança internacional que justificam os seus privilégios e nomeadamente o do direito de veto."; 7. "Somos os infelizes herdeiros dessa (...) insensibilidade duradoura às violências internacionais e nacionais (...) (p.106)
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