quinta-feira, dezembro 20, 2007

O tempo e a quantidade nos media

A minha amiga Susana Salgado fez ontem a defesa da sua tese de doutoramento. Através da análise de conteúdo chegou à seguinte conclusão: "Os media, no caso das eleições presidenciais portuguesas de 2006, e em especial o jornal "Expresso", sendo seguido pelos outros por mimetismo , terão contribuído para o apagamento de uma certa imagem de Cavaco Silva do fim do seu mandato como primeiro-ministro e de reconstrução de uma outra que o terá levado à vitória em 2006." Que é como quem diz: "Os media anteciparam a opinião política ao invés de se manterem na atitude de só a reflectirem". Assim sendo, o jornal "Expresso" pode gabar-se de ter conseguido eleger um Presidente da República.
A Susana provou que os media foram utilizados para dar uma imagem de fiabilidade e rigor do candidato Cavaco Silva e nela foram testadas estratégias de comunicação que resultaram numa evolução da imagem do candidato ao longo do tempo, criando uma ideia de consonância entre media e público.
Os arguentes contrapuseram do seguinte modo: 1. A Profª Cristina Pontes lamentou a ausência de uma análise mais aprofundada sobre a figura do Presidente da República na sociedade portuguesa, bem como a ausência de comentários ao conceito de carisma tal como fora desenvolvido por Max Weber; 2. O Prof. José Rebelo relevou a falta de leituras que considerava fundamentais na área da génese da narrativa mediática e sobre o modo de produção e recepção dos novo media. Criticou ainda os estudos que privilegiam a análise quantitativa e que consideram a quantidade como o critério mais relevante para definir a importância, e a sobrevalorização do dito sobre o não dito. O Prof. disse ainda que teria gostado que a candidata tivesse desenvolvido o tema do posto e do pressuposto como Oswald Ducrot o enunciou e concluiu que esta tese não explica porque começou o candidato Cavaco Silva em pré-campanha com sondagens da ordem dos 65% a 70% tendo depois obtido cerca de uns regulares 51%, ou porque razão o segundo candidato com uma exposição mais intensa nos media, Mário Soares, teria afinal obtido um terceiro lugar, atrás do candidato Manuel Alegre. Quis também o Prof. relembrar as muitas campanhas que no mundo recorrem à utilização massiva dos media (a campanha pelo "sim" ao referendo em França, que perdeu; a campanha do PP em Espanha que perdeu para o PSOE) e que tiveram efeitos contrários ao esperado, numa crescente relativização dos Mass Media tradicionais; 3. O Prof. João Pissarra reclamou pela necessidade que sentiu de dever ter sido mais aprofundada a questão das vantagens e necessidades de uma campanha negativa, segundo os critérios do próprio Marketing político, questionando os critérios de avaliação da informação escolhidos pela candidata.
A todas as críticas a Susana respondeu que o seu trabalho dizia respeito a um determinado tempo e assentava sobretudo na análise de informação através do método de "análise de conteúdo". Acrescentou que os dados a que chegara foram exactos e que as conclusões seguiam desses dados. O seu trabalho não era de reflexão teórica pois não fora essa a perspectiva adoptada nem o objectivo inicialmente proposto. Citando de memória uma parte da intervenção do seu orientador, o Prof. Villaverde Cabral, na melhor defesa de um candidato que ouvi até hoje:"A Susana, com a cautela de um lince, tratou a política segundo o método de análise que a ela mais lhe garantia distanciamento e a certeza de neutralidade, tal como a ciência política o tem vindo a privilegiar desde 1915."
A tese há-de sair em livro e depois haverá muitas reflexões que com certeza ela levantará. Ontem foi apenas o princípio desse trabalho em curso. Eu gostei do confronto de argumentos e, como teórica, procurei posicionar-me entre o método de análise adoptado pela Susana, que não domino, e as críticas dos arguentes sobre questões que, de certa forma, conheço melhor.
As questões que ficaram serão: estavam em confronto duas formas de fazer ciência ou não? Estarão os pressupostos teóricos de enquadramento dos media a mudar ou, pelo contrário a manter o papel tradicional de orientação de efeitos, tal como a Susana quis provar?
..
Parabéns Susana, estes trabalhos de análise da política em Portugal, que noutros países são moeda corrente, são fundamentais para que haja dados sobre os quais reflectir. Senão passamos a falar de cor de assuntos sobre os quais não temos informação quantitativa, apenas ideias vagas.

Sem comentários: