quinta-feira, janeiro 31, 2008

As coisas como são e não como deviam ser

Na realidade este Ministério da Educação não tem mentido. Uma pessoa é que de tanto querer pensar no como as coisas deviam ser se esquece de analisar as coisas tal como elas são.
A resposta sobre o que se entende por escola está dada: 1. espaço de ocupação do tempo das crianças e dos jovens enquanto os pais cumprem as regras do mercado de trabalho ou dão vazão à sua preferência pela área profissional como factor identitário da sua personalidade (alargamento do horário escolar no ensino público); espaço de preparação para a vida económica (aprendizagem do inglês como língua de emprego universal seja a servir às mesas seja como programador informático ou neurocirurgião); espaço de mediação cada vez mais alargado da entrada dos jovens na vida activa e no reduzido mercado de trabalho das economias ocidentais (prolongamento da escolaridade obrigatória e incentivos financeiros às famílias); proletização do ensino, reduzindo os professores a meros vigilantes com alguma técnica de controle de grupos e superficiais conhecimentos sobre as matérias a leccionar, que deixam cada vez mais de corresponder ao cânone clássico das disciplinas a leccionar e procuram dar resposta aos supostos interesses dos jovens que na realidade são os meros interesses de uma sociedade de mercado que sabe que sai mais caro a tê-los como delinquentes fora das aulas do que pequenos delinquentes dentro das aulas e/ou da escola.

Para obrigar os professores a tornarem-se vigilantes, ou "professorzecos", o Ministério teve que desconstruir a imagem que ainda lhes podia restar de alguma autoridade ou poder num espaço profissional que conhecem melhor que qualquer teórico, ministro ou secretário de estado que andou a ler umas coisitas de educação segundo os códigos americanos ou do pós-modernismo francês. Até agora a formação humanista da maioria dos ministros da educação, ou a sua educação cívica, tinha-os impedido de afrontar a dignidade da posição institucional do professor (que este ministério deliberadamente confundiu com qualquer coisa como uma tentativa dos professores se subtraírem às suas obrigações em nome de uma coisa como direitos instalados).
A ideia social de uma classe não resulta só do reflexo do trabalho dessa classe sobre a sociedade, mais, como funcionários do Estado, os professores dificilmente se conseguiriam descolar da imagem que o Estado lhes atribuir, porque o seu papel individual se deve confundir, quando em exercício de actividade lectiva, com o seu papel social: representantes do Estado na reprodução de uma identidade social ou na criação de competências que o Estado requerer para si próprio.

Os professores passaram a ser como quaisquer outros assalariados sem formação especial, sem qualidades especiais, a quem o Estado concede uns salários para acompanharem as actividades que irão formar uma grande maioria de outros assalariados sem formação especial. Mas então, o sucesso imposto por decreto pela administração há-de colocar-nos à frente nos números de sucesso escolar da OCDE. Porque como em muitos países não há reprovações, como em muitos países o que se tem feito é adequar o ensino aos alunos, nós também o vamos fazendo, indo até ao nível onde os alunos se encontrarem e, como o senhor Bush dizia "Nenhuma criança será deixada para trás", e nenhuma criança será deixada para trás faça ela, ou não faça, o que quiser. Porém, e quando chegar o dia em que a mesma política de um qualquer outro senhor Bush disser: "Estes adultos não têm a formação necessária, vivemos numa sociedade em que as pessoas devem responsabilizar-se pelos seus destinos, não devem descansar as suas obrigações na ideia de um Estado paternalista, se têm formação universitárias mas isso só lhes garante um registo administrativo, defendam-se?"

Então o milagre da educação da Irlanda ou da Finlândia ou da Coreia do Sul ou ainda da Baviera, na Alemanha? Não é ele próprio um reflexo do milagre económico? E ainda, os professores não tiveram tempo para demonstrar as suas competência e capacidades para resolver os problemas do insucesso e o abandono escolar antes das desastrosas intervenções deste Ministério? Só agora é que acordam?
O milagre económico não surgiu antes do milagre da educação nesses países. Em todos eles se reforçou o papel de autoridade do professor no espaço aula e sobretudo o papel social do professor na comunidade, não se tratou só de uma aplicação de dinheiros públicos na educação (porque isso dizem os entendidos foi algo que se fez em Portugal sem obter resultados) mas instituiu-se uma política de ensino que diferenciou o que tinha que ser diferenciado: criar qualidade e exigir qualidade mas separar o ensino em ensino técnicoprofissional ou em ensino geral-universitário. Sendo este governo o dos licenciados em politécnicos admira não terem criado de forma universal, estruturada e consciente uma rede de escolas profissionais.
Depois, as regras de funcionamento das escolas ou dos processos educativos nunca foram criadas pelos professores. Ninguém lhes perguntava nada, iam acrescentando leis e decretos ao sabor das tendências governativas, e dava-se-lhes a ilusão de que se contava com eles como funcionários de excelência na regulação e manutenção do Estado português pela educação. Claro que muitos dos professores estão no sistema pelo emprego, como milhares de outras pessoas trabalham para ganhar um salário, e cumprem o mínimo. Mas a imensa maioria dos professores esteve sempre a cumprir escrupulosamente as legislações, a prestar-se a todos as fiscalizações. Eram poucas? Eram feitas com pouco sentido crítico? E a responsabilidade é do fiscalizado ou de quem tem o dever de fiscalizar? Vamos ver se o novo regime de progressão da carreira docente serve para melhorar a qualidade do trabalho a prestar ou serve, como eu julgo, exclusivamente os interesses economicistas do ministério em reter o maior tempo possível os professores em níveis salariais inferiores. Alguém acredita que havendo quotas, e havendo claramente um excesso de professores com boas classificações para ocupar esses lugares, os que ficarem de fora vão sentir o seu trabalho recompensado?
..
Agora dizem-me que tudo vai mudar. Que no conselho de gestão das escolas vai finalmente passar a haver presidentes que irão pôr na linha os professores, porque não se lhes dá sequer a hipótese de estes poderem ser a voz dominante na escola. Para quê? Este ministério já lhes disse onde era o seu lugar: vigiem os alunos enquanto os anos passam e eles não se tornam adultos.
..
Os professores que concorreram sistetamaticamente em concursos públicos desde o dia em que terminaram a sua licenciatura e com números clausus bem apertados, para ingresso nos ramos educacionais, para estágio, para a entrada na primeira escola, para a entrada em todas as escolas, para o quadro, para a mudança de escola, para fazer mestrados, doutoramentos, para fazerem cursos de formação, que deram constantamente provas públicas das suas habilitações e são diariamente avaliados pelos seus alunos, são agora remetidos ao lugar de subalternidade social profissional que permite a este governo, e deste para o futuro, fazer com os novos professores, pagos a recibos verdes, o que com eles bem entender, e com os outros hão-de tentar desprestigiá-los ao ponto de só os mais necessitados ou infortunados de entre eles se dedicarem ao ensino em Portugal.
E depois deixarão ser escolhidos por concurso público, porque, dizem, em cada Escola/autarquia alguém se encarregará de escolher os melhores. Ah, pois serão, serão mesmo os critérios de escolha, públicos e passíveis de serem fiscalizados. Ora aí, então, é que a objectivadade e a qualidade autonómica do ensino atingirá o seu zênite. Pois.
..
À boa maneira do amigo americano, onde o papel subestimado do professor na maioria dos estados daquela nação só tem equivalência na ideia subestimada do saber e da disciplina. Mas depois a ordem capitalista há-de precisar de dar-lhes uma vassoura para as mãos e de ir recrutar os quadros ao exterior, assim como assim. E mesmo isto da vassoura é só no caso de não vir logo anexado às vassouras made in China um assalariado que fique mais barato e que manifeste melhores métodos de trabalho e de disciplina.

1 comentário:

Anónimo disse...

ALERTA: Talvez muitos portugueses ainda não se tenham apercebido de que as reprovações nas escolas públicas vão ser gradualmente banidas. A tendência é que ao fim de 12 anos de escola todos os alunos possam ter o 12.º ano de escolaridade

O nível de conhecimentos poderá ser muito baixo e inconsistente, mas poderão deverão ostentar "orgulhosamente" o certificado de habilitações do 12.º ano, que, afinal, é tão só a escolaridade mínima obrigatória. Portugal poderá assim figurar nas estatísticas como sendo um país com uma população com bastantes anos de escolaridade, embora isso não dê qualquer indicação em termos de conhecimentos dos portugueses.

Nas escolas públicas, os alunos poucas possibilidades terão de atingir os conhecimentos necessários para prosseguirem os estudos.

Com este panorama, os pais que desejem para os seus filhos um curso superior têm que começar já a consciencializar-se de que a escola pública não será o caminho mais aconselhável para a preparação dos seus filhos; nem para o prosseguimento de estudos, nem para o desempenho de funções com maior complexidade.

Ainda que algumas crianças e jovens se interessem pelos estudos o ambiente será imprório para que tenham sucesso, porque na mesma sala co-existirão alunos com deficiências várias: alguns fracos conhecimentos adquiridos anteriormente, até porque não havendo reprovações, não haverá necessidade de empenho nos estudos; outros com deficiências psíquicas e até de comunicação; muitos outros sem qualquer interesse pelos estudos e que apenas por ali andam porque o sistema os obriga a que permaneçam.

Zé da Burra o Alentejano