Há duas coisas sobre as quais gostaria de escrever hoje, uma era sobre as mulheres no mundo, e a propósito da fotografia, que não deixa de ser muito bonita, de uma Simone Beauvoir nua numa capa de revista dita séria, e que vi no jornal Expresso, outra é sobre o artigo de Cintra Torres no jornal Público de sábado. Por agora o segundo tema ganhou ao primeiro, pois preciso de pensar melhor naquele assunto. Já Cintra Torres fala de um assunto que gosto de acompanhar: a liberdade de expressão e a democracia.
O argumento de Eduardo Cintra Torres é que este governo é voraz, e arrecada sucessos nessa sua voragem, na sua vontade de controlar a informação em Portugal, e dá o exemplo da agência nacional de notícias a Lusa. Ora o que aconteceu aí? Cintra Torres dá conta que a direcção da agência e os seus jornalistas estão em "guerra". E, acrescenta, essa luta está a ser travada por jornalistas que acusam a sua direcção de estar ao serviço dos interesses do governo de Sócrates.
Aqui Cintra Torres acrescenta ao nome do primeiro-ministro um outro apelido, o de "Putin", numa manobra linguística que eu julgo que desvirtua o tom e a seriedade do tema. Mas pronto. Ora em que é que a direcção é vista a fazer favores a Sócrates? Porque os jornalistas se apercebem que certos telefonemas vindos do exterior fazem alinhar convenientemente as notícias do dia. E ainda que os jornalistas temem a intervenção que possa vir a ser feita sobre as peças, e aqui não se percebe bem, os jornalistas temem que no futuro os seus textos sejam alterados por conveniência dos interesses do governo, ou os jornalistas já viveram experiências desse tipo e esse facto realmente lhes aconteceu? É que é diferente termos uma percepção de uma coisa que julgamos vir a ser possível acontecer ou estarmos a relatar um acontecimento vivido de facto. Bom, e de quem eram esses telefonemas? Telefonemas de agências de imagem, de assessores ou de órgãos todos eles afectos ao governo (a confirmar-se é uma acção muito grave, é claro, e com a qual nenhuma democracia pode ter grandes complacências senão à custa dos seus próprios procedimentos como rgime livre e não sujeito a pressões independentes das que são discutidas e aceites em sede de parlamento).
Factos parecem ser os que relatam os jornalistas da Lusa que dizem ser frequentemente destacados para dar cobertura aos fenómenos ditos propagandísticos do governo (eu também penso que o governo tem muitos actos propagandísticos, mas, por outro lado, se os jornalistas não estiverem presentes também não os podem desmascarar, como aconteceu daquela vez em que uma inteligente jornalista perguntou ao belo infante que tinha ido fazer de figurante na sala de aula de apresentação de novas tecnologias para o ensino, aquelas coisas de fogacho, quem é que o tinha convidado para estar ali, e se descobriu que o pimpolho estava a ser pago por uma agência). Ora se o governo obriga os jornalistas da Lusa a fazerem cobertura dos seus momentos, estes podem retribuir-lhes desempenhado o seu papel e questionando até à fímbria tudo o que com esse acontecimento se relacionar. Como moscardos, e aqui penso no grande Sócrates, o filósofo.
Mais sério é adiar ou não considerar a cobertura de acontecimentos importantes, como é o acompanhamento de uma greve, e fazer sobressair os actos governamentais. Isto sim, não depende dos jornalistas mas dos seus editores e aí... Se estes se impõem sobre o trabalho estrito do foro jornalístico, se há pressões, há que investigar. Mais, há que saber se a ERC sabia ou não que a nomeação de Luís Miguel Viana, o director da informação da Lusa, foi concertada pelo governo. Este assunto é da máxima importância para a democracia portuguesa: o serviço regulador para a comunicação é ou não de forma inequívoca e acima de toda a suspeita livre na sua acção fiscalizadora? Se não, mais vale pensarmos bem no que este governo está a fazer ao Estado português numa área que em princípio afecta menos a população do que a área da saúde, da justiça, da educação ou da economia, mas que tem um alcance mais pernicioso no que implica de falta de garantias e de insegurança quanto à ausência de estruturas fixas que representam uma sociedade livre, crítica e consciente.
No 5º congresso da SOPCOM, em Setembro de 2007 em Braga, um dos intervenientes num painel que tive o privilégio de moderar, o Prof. Vasco Ribeiro, da Universidade do Porto, apresentou uma comunicação subordinada ao título: "Fontes sofisticadas de informação – Análise do produto jornalístico político da imprensa nacional diária de 1995 a 2005". Tendo seguido a sua comunicação com atenção, conclui que as suas investigações apontavam todas para o facto de a informação portuguesa apresentar um grande equilíbrio na quantidade e na apresentação de notícias quer do partido que estiver no poder quer dos da oposição, e que o respeito pelas fontes é generalizado, sendo que em Portugal a maior parte das fontes são oficiais, 90% contra 10% das que são recolhidas de fontes não oficiais, em "off". Fiquei intrigada. Sabendo que Santos Silva é um homem que lê, e segue os estudos, porque é que as conclusões deste tipo de trabalho científico não o faz serenar e perseguiu, agora está mais quieto o que não quer dizer que esteja parado, com uma nova lei mais rígida para liberdade da comunicação social, quando a realidade, a prática dos jornais confirma-o, é que o sistema de comunicação tem um muito razoável exercício de auto-regulação?
Há vontades de submeter e de dominar que nunca perceberei. O que estará na origem, como ideologia, de concepções de reformas autoritárias e impostas em nome de uma realidade falsa ou de uma imagem deturpada de como fazer melhor as coisas, é algo que me aflige. E o pior é que não vemos a oposição preocupada com este tipo de representações sociais que se querem impor para Portugal, e Menezes, esse, até gostaria mais do que nomear um editor de informação, parece querer ser ele mesmo um editor de informação. Coisa triste para uma democracia. Coisa triste, minha nação.
Sem comentários:
Enviar um comentário