domingo, janeiro 06, 2008

Mar e música


Ideias todas enfileiradas a bramirem. A atenção sobre elas descansei-a hoje nos quadros de Laura Cesana. Coincidência o encontro com a autora que nos guiou pela sua obra. Senhora muito bela, uma amiga.
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"Diga-me Laura, porque há tantos peixes nestes seus quadros?"

Contou-nos a história dos peixes vermelhos que um após outro pais amados tinham feito com que nunca deixassem de velar junto à cabeceira de uma menina muito doente, como se do mesmo e primeiro se tratasse. E eu gosto tanto, tanto desses seus quadros de peixes e de música. Como gosto dessa sua história. O meu filho ficou encantado com ela, Laura, como você sabia que ele ficaria.

"Mamã, os pais estavam sempre a mudar os peixinhos que morriam para que no fim estivesse o mesmo peixinho, não era?"

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Ramos Rosa gosta dos quadros de Laura Cesana. Fala deles na sua poesia. Ouvimo-lo em gravação vídeo.
"Conhece Ramos Rosa, Isabel?"
"Oh, Laura, conheço. Conheci o seu livro "Matéria de Amor" como se me conhecesse a mim mesma. Mil vezes o devo ter tido em mãos, mil vezes a alucinação de que ele foi escrito para aquele momento meu. O livro mais manuseado da minha existência."

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" O livro mais importante numa década de sensibilidade emocional e devaneio erótico à flor da pele num tempo que se está a transformar em antigo, um livro onde pratiquei a arte da adivinhação de sinais, a juvenil e inquieta arte da bibliomancia", não ousei acrescentar.


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"Há-de escrever sobre a importância na sua vida da poesia de Ramos Rosa para eu lhe dar a ler, ele há-de gostar de saber".

Corei e balbuciei uma palermice, afoita a procurar uma caneta a esconder a desordem de emoções. Hoje sou adulta. Mas como? Eu vou escrever a António Ramos Rosa? Eu a dizer-lhe que confundi o sentido da sua poesia com o sentido que queria na minha vida? Como ousarei? Não é uma perturbação na ordem da escrita e no sentido que devia ter guardado dessa escrita com distanciamento e sentido crítico?
Ainda se eu soubesse pintar ou escrever a mar e música.


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Laura Cesana expõe no Centro Cultural de Cascais até dia 13 de Janeiro.


"(...)

Este homem que parou

no meio da sua vida

e se sentiu mais leve

que a sua própria sombra"


António Ramos Rosa, Matéria de Amor, editorial Presença, p. 29



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