sábado, fevereiro 16, 2008

Quem semeia ventos...

E muito fácil sermos simpáticos quando as pessoas são simpáticas para nós. É muito fácil sermos gentis para pessoas que não precisam de nós, ou por serem saudáveis, ou de personalidade vigorosa, ou quando são novos, ou financeiramente autónomos. É muito fácil gostar de quem gosta de nós e nesse gostar não nos inoportuna e abre caminho para nós passarmos e os saudarmos de fugida em direcção a qualquer coisa que teremos muito importante para fazer.

Um dia apercebemo-nos que não somos tão amados, ou tão brilhantes ou tão bondosos ou tão inteligentes, ou tão jovens e bonitos quanto pensávamos ser. E que enquanto essa consciência de nós se ia instalando os que estavam à nossa beira iam descobrindo também as suas falhas: na perda de faculdades mentais e físicas, na personalidade que azedava com o passar dos anos, com a perda de familiares, com a crescente incapacidade de decisão, com a vida real a ser mais curta que as expectativas, com a incompetência de gerir as suas vidas financeiras, com a decrepitude das relações, com a sua discordância sobre o sentido do destino. E então começam a reclamar a atenção para eles, a mostrar as suas chagas, a lamuriarem-se, a dizerem-nos que existem apesar das perdas e que um dia existiremos como eles também numa espécie de perda, a fazerem-nos parar com as suas incoveniências, a lembrarem-nos outra ordem para além da que ficcionamos diariamente dentro de um corpo saudável que exalta a força e a segurança de quem sabe para onde vai.

E então, nessa nossa (in) capacidade para os atendermos, sem descurar o nosso conhecimento das suas vidas, mesmo quando as sabemos também elas entregues à ideia de uma juventude eterna e de uma ilusão de perene existência num estado sem necessidade, é que podemos testar quão simpáticos ou bondosos ou amáveis somos de facto. Paramos e atendemos às carências dos parentes idosos ou dos mais enfraquecidos ou daqueles menos capazes de dar rumo à sua existência, ou seguimos a pensar que a eles se deve a sua situação e que a nós nada nos é devido? Reclamamos responsabilização ou estamos disponíveis? Como equilibrar interesses? E onde se traça a fronteira?



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O senhor primeiro-ministro não gosta de se ver ao espelho que cada vez mais gente lhe mostra na vida pública.
O pior é sempre quando começam a questionar as razões. Aí é que se vê quem é simpático, ou bondoso, ou, no caso do governante em apreço, quem tem estofo de democrático.

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