Parece que o país dos comentadores políticos, os mesmos que se grudaram no tipo de acção do poder em acção, como Constança Cunha e Sá tão bem escreveu no Público desta semana, só hoje descobriu o tipo de comportamento continuado dos infantes portugueses na sala de aula para o qual os professores tanto têm alertado e sobre o qual só o Procurador Geral da República teve uma palavra a dizer, porque este Ministério da Educação, exclusivamente interessado com as questões laborais e económicas, nunca teve uma orientação sequer sobre os valores cívicos a serem aplicados, nem se mostrou implacável na defesa do trabalho dos docentes como o fez atacando o seu poder.
O que o vídeo hoje exibido à exaustão mostrou é apenas uma leve amostra do que acontece quotidianamente em todas as escolas deste país. Já aqui o disse, mas vale sempre a pena repetir, até porque, como se viu, muitos professores calam publicamente a indisciplina de que são vítimas, interiorizando muitos deles uma qualquer culpa no desempenho do seu papel. A oposição também parece só acordar para estes assuntos em cima deles. Que tristeza está o nosso parlamento. Que atrofio.
Escreve o filósofo José Gil na revista Visão desta semana: "O corte com a realidade leva à convicção de que há só uma razão (a do chefe: as suas razões são a Razão), uma só via ("não há alternativas"), um só mundo (o mundo sonhado da efectivação da política única). A teimosia gera intolerância, a intolerância alimenta-se de um pensamento pobre e maniqueísta: ou preto ou branco, ou comigo ou contra mim. Clinicamente, estamos perto do delírio. Com múltiplas tentações paranóides. Governa-se como se a vontade do povo descontente quisesse a morte (a queda) do Governo. Como se a população fosse contra, radicalmente contra o poder. O que leva, por reacção, a governar contra o povo.
Um exemplo claro: quem examina seriamente, em pormenor, este modelo de avaliação dos professores e as condições da sua aplicação fica com a forte impressão de que os seus conceptores estão fora da realidade. Da realidade do que é a escola, do trabalho dos professores, da sua relação de aprendizagem com os alunos. E, depois da manifestação, não houve "recuo da ministra": a rigidez continua, apesar dos "ajustamentos" prometidos. (...)", p. 28.
Já cheguei a ouvir um psiquiatra e um jornalista muito conhecidos que evocavam o livro de José Gil Portugal Hoje - O medo de existir, precisamente contra as actividades dos professores logo após a manifestação. Como se a ausência do carácter da inscrição, que Gil destaca como sendo um traço da debilidade social e individual de Portugal, estivesse na qualidade da manifestação dos professores que estariam a subtrair-se perfidamente ao poder do poder legítimo, e não a lutar por outro tipo de orientação política, de outro tipo de exercício de poder, que não fizesse da realidade um simulacro da lei feita em gabinete à margem de todo o conecimento efectivo do que é a escola/sociedade portuguesa.
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