quarta-feira, março 26, 2008

Individual 1


Não sei como não tinha conhecido antes Robert Walser. Não é propriamente como não conhecer um autor contemporâneo. Walser escreveu Jacob Von Guten na primeira década do século passado. E este livro influenciou autores que eu li e conheço, talvez possa dizer que bem, como Musil, Benjamin ou Kafka, como nos indica a editora em contracapa.
Então porque não o tinha lido? E se este autor escapou, quantos milhares deles não terão igualmente escapado ao meu cânone? Não é que eu tenha a pretensão de ser uma excelente leitora ou de sistematicamente conhecer as obras e os autores que podemos já hoje considerar clássicos e que escreveram no fim do século dezanove princípio do século XX; não. Ah, pois não! É certo que qualquer leitor mais metódico daria conta em poucos segundos da minha ignorância, mas na realidade vivo na semi ilusão de que li e reconheço as principais obras dessa época e que foram traduzidas em português. Daí que Robert Walser seja o Copérnico do meu sistema literário. Quando um afiambra-se com as ilusões que mais o pacificam.

A mim surgiu-me pela mão desse extraordinário rapaz, Von Guten, ecos do texto de Broch, A morte de Virgílio, e de Musil, O homem sem qualidades. Não sei quem escreveu primeiro o quê, e não vou querer saber porque não estou aqui a fazer crítica literária, nem a escrever um ensaio, estou a reconhecer as afinidades linguísticas e temáticas que o livro de Walser me provocou, e cujas ressonâncias procurarei dar conta em tempo oportuno. Porém, para dar conta dessas ressonâncias vou ter que saber quem influenciou quem, ou que formas de vida circulavam nesse espaço de fim de século e primeiras décadas de outro. Pronto, é mais um post sobre mim e as minhas dúvidas, aviso no caso de haver alguma fantasia de que vou escrever sobre o livro.
E no entanto é precisamente sobre o livro que vou escrever.

Jakob Von Guten é um filho de famílias afortunadas socialmente, a quem ele intitula de parentes honrados, mas um filho que rapidamente reclama por uma educação que ele próprio seguisse. Não é que Jacob conteste a tradição, as leis ou Deus, mas entende ser sua missão na vida procurar a educação que melhor o pregaria para a vida, e essa, entendeu-o ele, não seria a educação académica, assente em conhecimento livresco, nem a educação dos salões que seduziam a sua sensibilidade estética mas baralhavam a sua tarefa ética, também não seria a de manter-se sob o jugo das influências dos conhecimentos sociais ou do poder económico. O jovem Von Guten aspira por seguir um percurso de vida determinado por si. E como o faz ele? Pondo-se na posição de aprendiz numa instituição vocacionada para ensinar rapazinhos a serem servidores de cavalheiros. Um aprendiz de serviçal, para se poder, sobretudo, tornar senhor de si.

Hegel, o bom filósofo da dialéctica do par senhor/escravo, percebê-lo-ia muito bem.

Sem comentários: