Através do meu/minha interlocutor/a do blog DIACRIANOS pude ler pela primeira vez um texto do autor Dany-Robert Dufour, autor que eu não conhecia e cuja referência agradeço desde já.
O excerto ali transcrito é interessante sobre todos os pontos de vista. De certo modo é um texto inscrito na linha das análises sociais desenvolvidas pela Teoria Crítica das acções sociais. E qualquer pedagogo o deveria poder ler, sobretudo porque Dufour não se limita a descrever e a interpretar as causas e os efeitos das pseudo teorias da educação que têm destruído a escola pública de massas, não se fica portanto pela reflexão sobre as coisas como elas estão a querer ser e a diagnosticar as origens desse fenómeno, mas porque insiste na ideia que aquela escola que quer ser entendida como a que forma as “elites” continua a manter exactamente aquele modelo de ensino “arcaico” que as teorias pós-modernas da educação propõem alterar em absoluto nas escolas de massas.
Logo, não foi o modelo de educação antigo que se esgotou, foi a vontade de alguns governantes com responsabilidades nas áreas que propuseram a alteração do modelo para que melhor se respondesse aos interesses económicos-culturais da época presente, e isso através de uma moldagem absoluta de todos os meios de socialização em função dessa finalidade, sendo que depois, paradoxalmente, esses mesmos interesses precisam de continuar a formar e a integrar as elites que venham aplicar e desenvolver o modelo, sendo elas no entanto formadas de “fora” desse modelo social e cultural implementado.
Como não estamos num registo teórico que se reconheça pertencente ao domínio das teorias da conspiração, só podemos registar que o sistema de educação actual tende a ser reorientado para satisfazer o mercado de trabalho, ou, enquanto destas forças não houver necessidade, para as manter enquadradas e entretidas numa instituição, por uns quantos a quem este modelo de socialização convém, mas aqui entra-se no limite da intriga paranóica reflexiva, ou , alternativa mais plausível, este modelo é defendido por todos os que crêem nas virtudes do actual modelo económico/social e defendem de facto ser este o caminho para o futuro da sociedade, adaptando-se assim às circunstâncias históricas, ajudando à sua divulgação e implantação universal. Isto é, crêem profundamente que a escola de massas, geralmente a escola pública e muitas das instituições privadas, devem mudar de paradigmas de educação, deixando ficar para uma meia dúzia de instituições o trabalho de continuar a reproduzir o sistema antigo que forma alunos com capacidade crítica e reflexiva
Reconhecendo o fenómeno pela experiência que tenho do sistema de educação público, e constando que muitos dos nossos alunos são realmente “filhos da televisão” e que desejam que nós professores continuemos a ser os seus entretenimentos, eu pergunto-me: a escola dita “arcaica” poderia realmente a ser uma resposta para esses alunos?
Vamos lá a ver, não é que eles nasçam com competências cognitivas atrofiadas, não é que o sistema cultural dominante os determine como incompetentes para um sistema baseado no modelo clássico de ensino-aprendizagem comprometido com o modelo que pressupõe a autoridade científica do professor numa consequente transmissão de saber, o que eu me pergunto é o que fazer com a elevada taxa de abandono ou de reprovações que afectam realmente esse sistema? A solução passaria pelo quê, a montante: desligar o televisor? Incentivar outras formas primárias de socialização (manter a criança em idade pré-escolar num grupo reduzido de crianças com um ou dois adultos presentes para orientarem a formação social)? Restabelecer regras de disciplina mais formais nas instituições ou nas famílias? Responsabilizar as famílias pelo comportamento dos alunos? Mas como? Culpabilizando-os? Formando-os? Como?
E a jusante, passa a solução por manter o sistema “arcaico” para todos e distingui-los depois num determinado momento do seu percurso escolar (como se faz no exigente estado da Baviera) entre as várias escolas com níveis de exigência diferentes? Mas não estará aqui também em causa as desigualdades da origem social a condicionar esta decisão?
Critica-me o/a a interlocutor/a a minha ingenuidade quando eu reclamo para a escola portuguesa a continuação do papel central do professor como sujeito de trnasmissão de conhecimentos e de saber, como se isso fosse possível numa sociedade que pretende copiar todos os modelos de um capitalismo desregulado, e num sistema que trucida a qualidade e o esforço, a diferença e o mérito de todos aqueles que se lhe opõem, ou que contariam o seu movimento. É certo que o sistema é nivelador, e que com esta nova reforma da educação ainda mais rasteiro se manterá a formação de consciência dos alunos que tenderão a compreender que façam o que fizerem terão sempre um certificado na mão e que os melhores de entre eles, os que mais se esforçaram nem sequer terão garantias de que o seu trabalho será recompensado, numa sociedade que se estratifica cada vez mais numa rede social de conhecimentos e de influências familiares ou de meio social que dificulta a progressão económica e social. Eu sei. Lecciono em vários níveis do ensino, e sei o que os meus melhores alunos, e alguns são estrangeiros, muitos vêm das nossas antigas colónias e querem estudar connosco, não conseguem fazer quase nada com o seu mérito em Portugal.
Porém, sabendo tudo isto, não posso concordar que a escola seja ainda uma pequena parcela no processo de aculturação, não ainda, ou não de forma absoluta. Quem lá está sabe que muitos dos alunos, do básico ao secundário até ao universitário, estão lá para ver “passar o comboio”, mas muitos outros estão presentes e aprendem com os seus professores, ainda os reconhecem como autoridades no saber.
O excerto ali transcrito é interessante sobre todos os pontos de vista. De certo modo é um texto inscrito na linha das análises sociais desenvolvidas pela Teoria Crítica das acções sociais. E qualquer pedagogo o deveria poder ler, sobretudo porque Dufour não se limita a descrever e a interpretar as causas e os efeitos das pseudo teorias da educação que têm destruído a escola pública de massas, não se fica portanto pela reflexão sobre as coisas como elas estão a querer ser e a diagnosticar as origens desse fenómeno, mas porque insiste na ideia que aquela escola que quer ser entendida como a que forma as “elites” continua a manter exactamente aquele modelo de ensino “arcaico” que as teorias pós-modernas da educação propõem alterar em absoluto nas escolas de massas.
Logo, não foi o modelo de educação antigo que se esgotou, foi a vontade de alguns governantes com responsabilidades nas áreas que propuseram a alteração do modelo para que melhor se respondesse aos interesses económicos-culturais da época presente, e isso através de uma moldagem absoluta de todos os meios de socialização em função dessa finalidade, sendo que depois, paradoxalmente, esses mesmos interesses precisam de continuar a formar e a integrar as elites que venham aplicar e desenvolver o modelo, sendo elas no entanto formadas de “fora” desse modelo social e cultural implementado.
Como não estamos num registo teórico que se reconheça pertencente ao domínio das teorias da conspiração, só podemos registar que o sistema de educação actual tende a ser reorientado para satisfazer o mercado de trabalho, ou, enquanto destas forças não houver necessidade, para as manter enquadradas e entretidas numa instituição, por uns quantos a quem este modelo de socialização convém, mas aqui entra-se no limite da intriga paranóica reflexiva, ou , alternativa mais plausível, este modelo é defendido por todos os que crêem nas virtudes do actual modelo económico/social e defendem de facto ser este o caminho para o futuro da sociedade, adaptando-se assim às circunstâncias históricas, ajudando à sua divulgação e implantação universal. Isto é, crêem profundamente que a escola de massas, geralmente a escola pública e muitas das instituições privadas, devem mudar de paradigmas de educação, deixando ficar para uma meia dúzia de instituições o trabalho de continuar a reproduzir o sistema antigo que forma alunos com capacidade crítica e reflexiva
Reconhecendo o fenómeno pela experiência que tenho do sistema de educação público, e constando que muitos dos nossos alunos são realmente “filhos da televisão” e que desejam que nós professores continuemos a ser os seus entretenimentos, eu pergunto-me: a escola dita “arcaica” poderia realmente a ser uma resposta para esses alunos?
Vamos lá a ver, não é que eles nasçam com competências cognitivas atrofiadas, não é que o sistema cultural dominante os determine como incompetentes para um sistema baseado no modelo clássico de ensino-aprendizagem comprometido com o modelo que pressupõe a autoridade científica do professor numa consequente transmissão de saber, o que eu me pergunto é o que fazer com a elevada taxa de abandono ou de reprovações que afectam realmente esse sistema? A solução passaria pelo quê, a montante: desligar o televisor? Incentivar outras formas primárias de socialização (manter a criança em idade pré-escolar num grupo reduzido de crianças com um ou dois adultos presentes para orientarem a formação social)? Restabelecer regras de disciplina mais formais nas instituições ou nas famílias? Responsabilizar as famílias pelo comportamento dos alunos? Mas como? Culpabilizando-os? Formando-os? Como?
E a jusante, passa a solução por manter o sistema “arcaico” para todos e distingui-los depois num determinado momento do seu percurso escolar (como se faz no exigente estado da Baviera) entre as várias escolas com níveis de exigência diferentes? Mas não estará aqui também em causa as desigualdades da origem social a condicionar esta decisão?
Critica-me o/a a interlocutor/a a minha ingenuidade quando eu reclamo para a escola portuguesa a continuação do papel central do professor como sujeito de trnasmissão de conhecimentos e de saber, como se isso fosse possível numa sociedade que pretende copiar todos os modelos de um capitalismo desregulado, e num sistema que trucida a qualidade e o esforço, a diferença e o mérito de todos aqueles que se lhe opõem, ou que contariam o seu movimento. É certo que o sistema é nivelador, e que com esta nova reforma da educação ainda mais rasteiro se manterá a formação de consciência dos alunos que tenderão a compreender que façam o que fizerem terão sempre um certificado na mão e que os melhores de entre eles, os que mais se esforçaram nem sequer terão garantias de que o seu trabalho será recompensado, numa sociedade que se estratifica cada vez mais numa rede social de conhecimentos e de influências familiares ou de meio social que dificulta a progressão económica e social. Eu sei. Lecciono em vários níveis do ensino, e sei o que os meus melhores alunos, e alguns são estrangeiros, muitos vêm das nossas antigas colónias e querem estudar connosco, não conseguem fazer quase nada com o seu mérito em Portugal.
Porém, sabendo tudo isto, não posso concordar que a escola seja ainda uma pequena parcela no processo de aculturação, não ainda, ou não de forma absoluta. Quem lá está sabe que muitos dos alunos, do básico ao secundário até ao universitário, estão lá para ver “passar o comboio”, mas muitos outros estão presentes e aprendem com os seus professores, ainda os reconhecem como autoridades no saber.
Serão cada vez menos, mas ainda os há que trabalham muito, que querem aprender. Eu conheço-os, passam alguns à minha frente, e sei que este sistema de educação, esta reforma, mesmo a universitária, não é feita em seu nome. Eu sei que é pouco significativa esta minha experiência, ainda para mais porque eu lecciono maioritariamente para adultos, mas ela não é única no meio onde circulo, e não pode ser por si uma expressão sem significado ou sem valor estatístico.
Porém, como me disse, a verdade é que: “Os docentes apanham os papéis que lhes atribuem os intermediários das burocracias locais.” E sobre isto eu tendo a não conseguir ponderar de forma suficiente.
Esta crítica reconheço-a como válida. Somos actores (sou) num sistema que não dominamos e que de certa forma ajudamos até a perpetuar em nome de um emprego para a vida. Reconheço.
Esta crítica reconheço-a como válida. Somos actores (sou) num sistema que não dominamos e que de certa forma ajudamos até a perpetuar em nome de um emprego para a vida. Reconheço.
Mas ainda assim, ou será por isso mesmo?, e com quase todos os ditos "líderes de opinião" a fazerem uma campanha cerrada contra o movimento dos professores, com quase todos os editores de jornais a manifestarem-se a favor da ministra, os professores movimentam- se diariamente à procura de formas de discutir estas reformas, dizendo o que sobre elas entendem. E não nos esqueçamos que os professores não têm uma Ordem profissional, mal têm associações, sendo a maior parte criadas recentemente, e que são muito individualistas pela força do seu trabalho que os torna especialistas numa determinada área do saber/actividade e não os faz propriamente políticos da educação, apesar de muitos terem mais anos de formação e de competência científico-pedagógica do que qualquer um dos seus governantes na área.
É claro que nada disto obsta a que já devessem ter tomado uma posição relativamente aos valores que (não) estão a ser reproduzidos por si. É claro.
6 comentários:
Neste momento seria bom que nos concentrássemos no modelo de Escola que este governo pretende impôr através de um processo de "choque terapêutico-tecnológico".
E neste matéria Sócrates tem sido um excelenete aluno da Europa burocrática e capitalista, uma vez que todas as medidas que têm vindo a ser tomadas se inscrevem nessa perspecticva de aprofundar as regras do mercado em Portugal.
Torna-se por isso patético, como o faz por exemplo a FENPROF, reclamar uma avaliação "científica" dos docentes, enquanto se agarra ao espírito da "Escola Pública".
A "escola" da FENPROF é semelhante ao modelo de Sócrates, no que se refere à vontade de despojamento da autoridade dos docentes e da retirada do seu papel central enquanto portadores de uma narrativa democrática de liberdade e de saber com forte implantação na cultura do Estado-Nação.
Ana Benavente (na senda do que vem sendo realizado ao nível da política educativa nos últimos 35 anos) foi uma funcionária servil da OCDE, tal como Maria de Lurdes o também é, com a diferença de que a primeira deu mais importância à ideologia capitalista de esquerda (inclusão da futura força-de-trabalho), enquanto a actual responsável pela Educação aposta mais na terapia de choque para adequar a própria organização das escolas ao mercado global.
O problema não reside nos métodos e nos instrumentos adoptados para a avaliação e para a gestão, mas antes no próprio modelo que serve de base às escolhas dos diversos intervenientes.
A partir do momento em que a Escola é encarada como um elemento de desenvolvimento ECONÓMICO, todos os seus agentes ficarão
subordinados às leis do mercado.
É esta lógica elementar e perversa que já corrompeu os neurónios de muita gente, que não consegue ver a escola como um factor de civilização e cultura, mas apenas como uma roda na gigantesca máquina do Capital.
Ou seja, a elevação dos níveis civilizacionais e culturais das massas educadas, contará cada vez mais um desperdício, desde que essas "competências" e aprendizagens não possam ser revertidas para o aumento da acumulação do Capital.
Daí uma grande tensão que continuará a vivenciar-se entre as elites (ou o que resta delas) e os defensores do "igualitarismo" medíocre-mercantil que prolifera em todos os aparelhos burocráticos que procuram controlar o mercado ideológico da democracia, colonizado os media, as escolas e as Universidades.
Diria que em Portugal o panorama é desolador.
Ainda a propósito da "Escola Pública"
Neil Postman entende que a escola pública deveria ser entendida como um modelo em que se preserva a educação-formação (bildung) de um público identificado com uma mesma narrativa poderosa e inspiradora de civilização, algo que dê sentido ao Estado-Nação.
Por outro lado, Peter Sloterdijk defende que "o essencial da cultura reside no mistério da transmissão", com base num povo que tenha consciência de si e da sua cultura e que acredite na continuidade das gerações.
Ora isto levanta logo um problema àqueles que encaram a educação sobretudo como um processo de RUPTURA com o passado. Aqui poderemos encontrar pontos de contacto entre o modelo de escola do PS, do PCP e do Bloco de Esquerda, na medida em que encaram a escola do "passado" como algo de enterrado e morto (Ana Benavente é explícita neste ponto) de acordo com os propósitos de desenvolvimento económico e ideológico.
É por isso que a defesa da "Escola Pública" colhe os favores das seitas apologistas do "progresso", dos evangelistas da "modernidade" e dos terapeutas da vida saudável, uma vez que o conceito filosófico que está na base dos seus programas de edificação do homem novo é consonante com uma educação pública homogénea e inclusiva que visa dissolver toda a gente em generalidades que melhor sirvam a produção e o consumo.
O "igualitarismo" não é então mais do que a igualdade de todos perante o mercado global.
Todos somos iguais face ao Capital: esta é a mensagem dos apóstolos que pregam a identidade administrativa de todos os cidadãos enquanto prestadores de serviços livres e qualificados no mercado global.
O Direito substitui a História, a Estatística anula a Filosofia, neste mundo de apátridas e nesta Europa vergada ao poder da Nomenklatura capitalista instalada em Bruxelas e dos seus agentes em Portugal.
Tem toda a razão quando focaliza o tema numa direcção: modelo de Escola proposto.
São pertinentes todas as referências que traz ao texto para coadjuvarem os seus argumentos, sendo que eu, e já começa a ser um estado lastimável, não conhecia nenhum dos autores evocados. Sintetiza muito bem as questões (permita-me este tom professoral) sobre o que há que exigir de uma Escola:civilização e cultura. Reconheço em absoluto estas suas palavras: "A "escola" da FENPROF é semelhante ao modelo de Sócrates, no que se refere à vontade de despojamento da autoridade dos docentes e da retirada do seu papel central enquanto portadores de uma narrativa democrática de liberdade e de saber com forte implantação na cultura do Estado-Nação"
Mas não consigo compreender porque razão as teorias do progresso têm que ser entendidas como compressoras do modelo de educação assente na passagem de testemunho de uma autoridade e de uma memória - e a prova histórica para mim não é conclusiva, porque eu posso sempre retorquir que os acontecimentos políticos e sociais realizados em nome do progresso não cumpriram os seus princípios e desvirtuaram a sua natureza -, nem consigo compreender ainda porque razão a Escola Pública há-de deixar precisamente de oferecer essa igualdade de oportunidades, que não tem que ser igualitarismo, na aquisição do saber em nome de uma identidade individual e social.
Sinceramente não acredito que não sejam das massas precisamente que vem sempre o melhor de um país, que não seja das possibilidades e do trabalho colectivo e para o colectivo que nasce a criação individual, a diferença, a distinção.
É claro que alguém poderá sempre dizer que essa distinção é ainda um artifício social, que é ainda uma forma dos mais poderososo manterem a sua influência dentro de um sistema que manipulam melhor, mas se a sociedade estiver à altura dos valores de uma Escola Pública, esta tenderá a relevar os que mais desejarem e trabalharem para esse benefício, talvez não seja uma distinção económica, ou talvez seja, talvez não seja um estado de ânimo psicológico, ou talvez seja, talvez seja uma forma de cumprir o que se esperava de si, ou talvez seja uma forma inconformada de se realizar na sociedade.
Será dramático para os que não conseguem ou para os que desejam mover-se na terra com outros propósitos que não os da acumulação/ prestação de saber? Não me parece. O que foi dramático ao longo da história foi a vida daqueles que almejaram precisamente esse estado. Os outros arranjaram sempre forma de se valorizarem privilegiando outros critérios. Mas sobre isto a nossa época já disse o que havia a dizer e não permite muitas discussões (basta ver a lástima que são os anúncios sobre as "novas oportunidades" deste governo), pois a educação é uma marca, nem que seja a aquisição de um título por via postal.
Se esta é uma marca civilizacional, como eu também desejava, ou comercial, aqui segue o debate.
isabel
P.S. E não vejo em nada porque razão se exclui o espectro partidário da nossa direita de ser também ela causa do estado actual da nossa Escola. Eu lembro-me muito bem do que fizeram os Ministérios da Educação nas últimas décadas, e nenhum pode lavar as suas mãos deste assunto.
A minha postura deve muito ao romantismo e ao niilismo e creio que também poderá ser interpretada como um reacção compreensiva-compulsiva relativamente ao fervor das experiências mais radicais de "progresso" por que a humanidade terá passado na sua história recente.
O classismo, lido à luz do socialismo científico de Lenine, Estaline, Mao e Pol-Pot, provocou incomparavelmente mais mortos do que o racismo científico do Holocausto nacional-socialista. Ao pé destas gigantescas máquinas imorais de terror e "progresso da Humanidade", os fascismos foram brincadeiras da Barbie e do Ken.
Em nome da modernidade e do bem comum, com o impulso de especialistas e o apoio de intelectuais como Sartre e Heidegger, cometeram-se as maiores barbaridades.
Quando Vital Moreira declara em 1976 que
"saúda ... a consagração do papel da educação na edificação da sociedade democrática e socialista e o objectivo de eliminar a sua função conservadora da divisão social do trabalho, a previsão de discriminações positivas a favor dos filhos dos trabalhadores no acesso à Universidade, a proeminência do ensino público sobre o ensino privado";
ensaiva apenas uma versão do discurso unidimensional da "resistência à mudança e ao progresso" que agora tanto invoca em defesa da política de Sócrates.
Quando o progresso se torna o apanágio do desenvolvimento das forças produtivas (o Socialismo até já foi considerado como "os sovietes mais a electricidade"), então podemos perceber que Vital Moreira, no seu pragmáticao papel de Conselheiro de Sócrates, continue a abominar e a invectivar tudo o que represente "forças de conservação e reacção", porque, coerentemente com a sua mundovisão, os docentes e os sindicatos são efectivamente forças de bloqueio face às mudanças anunciadas.
Não é preciso estar em sintonia com Fukuyama para compreender que Vital Moreira tem "razão" e é coerente e fiel aos seus princípios quando adere ao clube dos "progressistas" do choque terapêutico.
Na Europa, só os povos apáticos, atrasados e psicologicamente aprisionados, como por exemplo na Rússia, em Chipre e em Portugal, é possível manter um Partido Comunista com alguma implantação em pleno Séc.XXI.
Claro que os partidos da direita têm tantas responsabilidades no actual estado da Educação como os outros.
Só que sempre alinharam nas políticas definidas pela OCDE, com pouca ou nenhuma autonomia na acção política, ou não fossem também agências da Nomenklatura.
Para ler na íntegra a interessante declaração de Vital Moreira:
http://www.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=172&Itemid=245
A questão da nossa sensibilidade ou da nossa crença num determinado projecto advém de onde? É a análise da realidade que nos faz evoluir para determinadas posições que a sinalizam (niilismo, modernismo), ou o mais que seja, ou é a análise da análise da realidade que nos enquadra as perspectivas?
Teoricamente aquela é a minha segunda inquietação intelectual.
Não nego o excesso de violência de nenhum totalitarismo. Não nego que a autoridade num modelo ideal reformador da humanidade, ou numa pessoa ideal para reformar uma nação e submeter todas as outras ao peso dessa autoridade, pesam sobre a história do mundo como chumbo, sendo esta a cor que cobre até os loiros cabelos da Barbie. Mas onde alguns Vêem na ideia de eficiência dos planos políticos ao serviço da morte e da agressão um sinal da modernidade entendida como progresso histórico e social materializado em meios de violência postos à disposição por uma racionalidade técnico-científica, eu vejo apenas homens que se apoderaram da janela de oportunidade que esses meios lhe puseram à disposição para satisfazer uma necessidade de poder agressivo e centralizador que em termos de política interna não encontrava limites.
Na história, e eu reconheço a disparidade da proporção assim como reconheço a disparidade dos meios, o nível de mortandade em guerras foi sempre excessivo. E não digo isto do ponto de vista ontológico em que excessiva já é a morte de uma só pessoa que seja, não, é quantitativamente excessivo. Se César, ou similar personagem histórica, combatia numa batalha em que vinte mil almas pereciam num dia, em que a terra ficava saturada do sangue dos combatentes, não me venham dizer que isto era fruto de um conceito moderno de progresso e não de uma vontade de poder incontrolada, ou de uma visão geo-estratégica de domínio e protecção do seu território. Não quero fazer isto resvalar para a análise psicológica do poder, prefiro ver as transfigurações que o poder assumiu na história a que as teorias modernas não ficaram imunes nem conseguiram conter no seu caminho de violenta imposição de si, mas de que não são causa. Agora também parece que estou a dar uma dimensão divina à ideia e ao acto em si de poder, não sendo o caso.
Volto à questão do início, mas com outros termos: Vital Moreira está do lado das ideias de progresso ou está, ontem como hoje, ao lado das ideias que estão no poder? Não estou a fazer juízos, estou a perguntar sem laivos de pretensiosismo moral.
Foi um homem de esquerda, o belo Antero de Quental, quem propôs que pensássemos Portugal, a nação, que descobríssemos as nossas raízes em tempos de confusa identidade social. Eu pressinto que é nestas pessoas que balançam dialecticamente o seu pensamento que a realidade tem hipótese de se pode dizer de um modo senão mais verdadeiro, pelo menos mais livre, mais próximo do que é, sendo que ela só nos pode aparecer como pensamos ou imaginamos ou sentimos que é. E por isso o que parece vai sendo. E nem sempre infelizmente, valha-nos a cortesia.
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