"(...) O problema é que Rui Gomes da Silva não é o único a pensar e a manifestar despudoradamente este fundamentalismo na nossa vida pública. Se uma mulher tem o azar de cair no desagrado de um qualquer operador com acesso aos média, tem garantido um rol de insultos e enxovalhos públicos. Se está no Parlamento, claro que assonância do termo deputada passa a ganhar um conteúdo injurioso cheio de cargas reles e cobardes porque, obviamente, em termos jurídico-formais o seu uso não é passível de sanção. Portanto, insulta-se impunemente com crueldade, crueza e assinalável cobardia. Por extraordinário que seja, esta condição de ser mulher na vida pública em Portugal ainda é uma fragilidade tão gritante quanto Simone de Beauvoir a identificou no seu "Segundo sexo". "Quando me pedem para me descrever, tenho de começar por dizer que sou mulher". Esta percepção de menoridade associada à condição feminina é um dos sintomas do nosso real atraso. Um primitivismo que se reforça e propaga quando vultos da nossa vida pública não hesitam em marcar com os ferretes da injúria pessoas dignas que são mulheres. Esta injúria ao feminino é antiga, é recente e é presente em Portugal.
Foi lastimável há uns anos que a opção política tomada por uma senhora tenha sido equiparada, num lamentável escrito num jornal importante, à fugaz carreira no Parlamento italiano de uma actriz porno. Não refiro nomes para não causar mais desconforto às pessoas já maltratadas. Refiro os factos para dizer que isto ainda se faz hoje nos jornais e no discurso público e não pode ser tolerado.Como leitor, é com profundo asco que constato na Imprensa de referência este género de prática reiterada sem qualquer sanção social ou reparo editorial. No caso de senhoras no Parlamento, a potencialidade de ofender que os pacóvios encontram no termo é óbvia. Mas, se não estiverem no Parlamento, há sempre uma qualquer construção semântica que inclua, com ou sem propriedade, o termo putativa para levar o insulto mais longe e humilhar mais.Tanto quanto ele vale aqui fica o meu enojado desagrado registado.
É saloio insultar. É boçal e é cobarde estar a escolher insultos com palavras comuns que soam a injúrias ou a insinuar "razões que todos conhecem" para tentar desgastar pela ofensa aquilo que não se consegue obter com frontalidade leal. Envergonhem-se e calem-se. "
Mário Crespo escreve no JN
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