domingo, abril 20, 2008

A necessidade de proteger e a possibilidade de questionar a intervenção

O Papa foi às Nações Unidas reafirmar em sede o seu apoio ao documento “Responsabilidade de Proteger". Imaginemos por um segundo o significado não só simbólico, como transcendental, para tal acto público.
Para um crente deverá parecer um acto de consignação do sagrado no consentimento a uma ideia política e de direito internacional de um documento humano, que põe como hipótese a primazia da defesa dos direitos humanos sobre o poder do Estado.
Para um não crente será impossível não entender o reforço que o Estado do Vaticano trouxe ao princípio de intervenção que renasce sob essa nova luz que retira a ideia de soberania absoluta a um Estado que não protege os seus cidadãos.
Ainda que cinicamente se possa questionar a legitimidade política, e a circunstância histórica, em que uma das maiores religiões do mundo se define em relação a uma política de intervenção que poderá ter como horizonte a ameaça física para maior efeito coercivo/negocial, na verdade o reconhecimento da obra profana por representantes do sagrado, acaba por fazer reflectir-nos na ideia de um encontro histórico de consciências, e num partilhar de princípios que não se deixarão ficar como pertença de um povo, seja pelo seu ritmo encantatório de ideias sobre a democracia e a civilização, seja pela economia dominante que arrasta a venda destes produtos ideológicos como mais uma mais-valia, seja por existir uma estrutura que universalmente nos faz partilhar a capacidade de produzir argumentos e ter a capacidade de os compreender e de os aceitar ou recusar (mesmo contra todos os que apontam os números de analfabetismo, iliteracia ou reduzido acesso da população mundial aos meios de informação), fazendo-nos generalizadamente capazes de reconhecer que há melhores formes de vida em relação a outras, e que sabemos e podemos escolher.
Seria engraçado saber se um Papa, quando profere um discurso, o faz sob que tipo de influência: faculdades imanentes ou sob influência de...?
Qual a força do seu discurso? Como representante de uma instituição ou como mensageiro da palavra divina? E qual a força da sua legitimação?
Um jurista tem a força dos argumentos e o seu conhecimento da lei ou do costume, um diplomata terá a força do seus conhecimento do carácter do interlocutor e domínio da situação histórica em que está envolvido, um filósofo terá a força dos seus argumentos, e um Papa? Pensará: - Sou uma referência e referencio aquilo que escolher, em razão, por força da inerência do meu cargo? Ou: - Escolho porque sou impelido a escolher, não pelo Presidente x ou pelo Primeiro-Ministro y, não pela minha inteligência, mas por...? E como sabia ele que não estava a ser enganado e a tomar uma má decisão?
Afinal, não há-se ser uma última vez em que um documento ou uma ideia que parece benfazeja se pode manipular ao serviço de interesses que não os previstos inicialmente.

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