sábado, abril 12, 2008

"Uma casa seria assim: das janelas mais altas chegava-se à àgua, descendo uns degraus estava-se em terra. E à volta saber-se que havia gente, a caminho da leitaria e dos jornais, a entrar para a igreja, para o teatro, a voltar de uma esplanada por cima da cidade, com sombra e caruma de pinheiros. Conheci esta casa, e como já não sei quem lá mora só posso dizer que aparentemente ainda lá está, na mesma rua. Não é comum em Lisboa ter o rio e algo de jardim."
Alexandra Lucas Coelho in Público do dia 11 de Abril.
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Uma vez vi um filme alemão, de cujo título me esqueci, que falava sobre a filosofia de Heraclito. Ou seria sobre Nietzsche? Parece-me que tinha que ser sobre Heraclito. Mas também me esqueci da trama. Não sei se era sobre duas raparigas que se empregavam numa loja com roupa masculina para conhecerem homens ou se se tratava de um homem que se empregava numa casa de vestuário feminino com a ideia de assim poder conhecer mulheres. E sei que uma das personagens era não humana, ou algo que o valha. Realmente recordo tudo mal. Enfim, havia uma casa. Disso eu tenho a certeza. Uma casa quase em cima de um rio, e homens e mulheres que falavam da existência enquanto o rio serpenteava a casa e as suas águas corriam na fita que corria por sua vez.
Não é preciso ser explícito quanto às águas do rio. Basta não sermos incrivelmente jovens e imunes às imagens de degradação e decrepitude para que quando vamos a um hospital visitar os parentes envelhecidos ouvirmos enraivecido o rumorejar das águas que correm a despenhar-se na foz, com violência.
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Mas depois há as casas, e estas dão-nos a ilusão de um espaço em que se suspende o tempo, ou que pelo menos nos abriga dele.
O Prof. Bragança de Miranda fez uma vez uma conferência em que falava das casas na cidade, sobretudo destas, e do inumano que cada casa destas, amontoada sobre a outra, denotava. A ideia de casa como uma ausência de casa, apenas uma ideia de casa, um habitáculo.
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Um dia estive em Heidelbergue. Não por Heidegger, mas também por Heidegger. Tinha feito um trabalho sobre o seu pensamento e não tendo propriamente afinidades intelectuais com o autor, algo havia que me levou a Heidelbergue e não era só pela universidade, mas sim por uma ideia da casa construída na Floresta Negra de que ele tanto falou.
Arrastei duas amigas pelo caminho dos filósofos, monte acima e monte abaixo. Ambas de cursos científicos, disseram-me então que se eu as tinha levado por aquele caminho para lhes exemplificar o trabalho do filósofo, que elas ficavam eternamente convencidas da sua dificuldade e que jamais desdenhariam da tarefa. Rimo-nos muito, eu com um riso altaneiro, convencidamente enigmático.
Eu procurava a casa, mas como não estava na Floresta não a encontrei. Um "déjà vu". Um filósofo sabe que o que importa é o caminho. As meninas não sei o que encontraram.

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