segunda-feira, junho 09, 2008

Os segredinhos 1

Segredos só se compreendem se forem íntimos ou sob pedido de quem os partilha connosco por razões de pudor ou de segurança pessoal ou colectiva, pois no que diz respeito a assuntos da esfera da vida pública nem os concebo.
Andam a moer-me há dias umas declarações, publicadas em jornal, de certas personalidades identificadas como membros da maçonaria sobre o desvalor de um governo que não terá, supostamente, convidado nenhum dos seus membros para ministro. Incomodou-me o tom de intimação de uma frase, que, a ser verdade como princípio da organização e não uma mera leviandade de certos alguém que gostam de brincar em idade adulta à aventura dos cinco, é uma ameaça ao poder da democracia; li, então, em excerto de uma conversa gravada, que este governo iria sofrer grandes dificuldades em paga dessa omissão selectiva para com a organização propriamente dita. Poderia discutir aqui a questão das escutas em Portugal e ainda mais o problema relacionado com a sua publicitação, mas agora só vou discutir o conteúdo daquelas conversas publicadas.

Vamos lá ver, eu até acho que este governo nos dá razões de sobra para que lhe criemos dificuldades: é um governo inchado de presunção, cujo grande erro de “casting” começa logo por ser o primeiro-ministro. Eu disse-o naquele Verão, poucos meses depois da eleição legislativa, quando Campos e Cunha foi afastado após uma entrevista dada a um jornal, por já suspeitar, depois do discurso de tomada de posse que tanto aplauso mereceu então, que vinha aí um governo dirigido por um justiceiro com o mando de um regente de banda. E não comecei por ser contra o pragmatismo das ideias, era mesmo contra a forma de transmitir essas ideias.

Então ainda em férias, eu tive o primeiro desapontamento com um governo que eu própria ajudara a legitimar, e que mesmo durante esse período não deixei de seguir com preocupação. Seguiram-se outros momentos, com outros ministros a procederem pelo mesmo diapasão discursivo e de atitude no trato público, tal qual o seu líder. Deviam receber um prémio no ordenado do fim do mês se fossem discursivamente umas cópias, ou coisa que o valha.

Quando em Novembro de 2005 colegas e amigos, fascinados com a atitude pragmática de um ministro que entrou numa roda viva de reformas, me questionaram sobre a minha previsão eleitoral para 2009, eu disse-lhes que o sistema social não ia aguentar tanta pressão, sobretudo porque o discurso do primeiro ministro não era nacionalmente motivador, não instigava a sociedade a fazer uma inflexão profunda nos seus hábitos de produção e de vida de forma coesa, mas apostara nas rivalidades das classes profissionais entre si e criando divisões entre estas e a população que deviam servir, e tudo para fazer passar uma mensagem em que se estava a utilizar mal o modo e o tom. Mais tarde acrescentou-se ao tom desfasado a verdade desfasada. O que agravou a situação do governo. Avisei então para um sobreaquecimento da opinião e para um crescente afastamento dos eleitores do governo e do PS. Nunca quis ter razão. Nem sei se as eleições confirmarão esta previsão. Pouco me importa. Era uma intuição.

Um governo que tinha uma opinião pública bem preparada pelos media sobre a gravidade da situação no défice quando começou a governar e um povo convencido da inevitabilidade das medidas duras que aí vinham, só tinha que respeitar para ser respeitado, e para cumprir o seu dever para com uma população preparada para ver limitados ou suspendidos os seus direitos.
Se houvesse claramente intenções de mudar estruturas ao invés de actuar forte e feio nas conjunturas, era isso que tinha que acontecido. Mas não, era psicologicamente impossível a certos ministros, da cultura à agricultura, da saúde à educação, da economia ao ambiente, dos assuntos parlamentares ao das obras públicas, da defesa nacional à justiça não porem o dedinho em riste e desmandarem em “tal gente”, como parece ser o modo de existir do mestre Sócrates, o da filamórnica. Erraram.

Todavia, dito aquilo, também afirmo que o governo não deve ser atrapalhado por grupos de pressão que se apresentem como parceiros de poder mas sem se predisporem a fiscalização pública e sem qualquer legitimidade democrática, no seu método ou nas suas intenções de condicionarem o comportamento do governo. Não há, nem pode haver, viveiros privilegiados a criarem os funcionários para o governo da nação, a não ser os que publicamente dão conta da sua acção, em universidades, empresas ou serviços, em formas de vida partilhadas.
Que nenhuma instituição se julgue acima da liberdade de escolha popular assente, preferencialmente, em prova por serviço público e publicitado. E aí o primeiro-ministro pode e deve escolher quem entender, sem medo das acções de cortesãos socialmente bem relacionados a desejarem manipulá-lo.

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